quarta-feira, 1 de fevereiro de 2017

Revelando segredos | Sabino Nunda Casaco, um desconhecido que deu vida à AJS (ONG)

Sabino Nunda Casaco (facebook)
A história das instituições, a partir do momento em que estas saltam da esfera do sonho para a materialização, legitima várias perspectivas. E como só podia ser de uma ingenuidade gigante esperar que exista apenas uma versão de registar a trajectória e o impacto junto da sociedade, que é em fim último o beneficiário do altruísmo, a história da AJS (Associação Juvenil para a Solidariedade) é passível de ser colhida pela perspectiva dos protagonistas, pela das testemunhas, pela dos continuadores, pela das vítimas (aqui um lamentável fruto de umas e outras escolhas).

Neste apontamento ressalta-se outra perspectiva muito valiosa que não se encontra em actas de reuniões, na glória dos relatórios de projectos implementados e ainda menos na beleza dos dólares ao bolso. Falo de parceiros desinteressados que se mantêm anónimos, aqueles que na primeira hora abraçaram o que para muito boa gente roçava o lunático. Um destes é Sabino Nunda Casaco. A AJS é faísca do sector da sociedade civil, Organização Não Governamental de âmbito local, nascida do inconformismo de estudantes do ensino médio (tinha 21 anos o fundador), num quadro complexo de guerra civil e carência urbana de vária ordem.

Enfim, depois de conhecer a Okutiuka, coordenada por José Patrocínio, no ano 2000, através da qual foram adquiridas habilidades em elaboração e gestão de projectos de desenvolvimento comunitário, chegou-se a delinear linhas de acção, uma delas sendo a da prevenção de doenças sexualmente transmissíveis. A oportunidade consistia em "infiltrar-nos" em excursões de jovens para no destino improvisar palestras e debates sobre o assunto. Mas havia depois um problema, que era a falta de material de apoio.

Estamos em 2000 e nessa altura tudo o que a AJS tem é a determinação de quem vende ideias e crê que mais cedo ou mais tarde apareceria um doador para financiar projectos em gaveta. Não havia fundos para adquirir material de divulgação e preservativos junto da ADPP-Esperança ou do PSI (as quotas dos membros mal cobriam as despesas com táxis entre Lobito e Benguela à procura de estabelecer parcerias). E do nada surgia o para-médico Sabino Nunda Casaco, da 7.ª Região Militar, e o seu colega Alexandre Camongua, que durante meses apoiaram o projecto com o tão precioso material informativo e preventivo.

Casaco, um homem alto, de falar terno mas também conhecido pelo punho militar firme (criou-se o mito de ter dado uma bofetada a certo jovem que lhe teria molestado durante uma festa, tão valente fora a famosa bofetada que o destinatário da mesma desmaiou de imediato e acordou sóbrio) na altura morava no bairro da Kalumba. Viria a bater à porta da AJS por influência do seu amigo Simão Marques Marques, membro co-fundador.

Foi na verdade graças ao impulso do mano Casaco que ganhou corpo a série de projectos "Viver Contra a SIDA" (financiados de início pela Oxfam em 2003/4 e introduziu a dinâmica dos activistas voluntários, dos quais cito o João Nunda, o Ricardo Amado Calengue e a Celma Yaveleka Tungalavo Canduli). O maior "bolo" viria com o financiamento do Fundo Global*PNUD e afins, que suportou o Boletim "A Voz do Olho" e o programa radiofónico "Viver para vencer", produzido e conduzido por quadros da AJS via Rádio Morena Comercial, através do pagamento do espaço de antena.

A natureza melindrosa da disciplina militar fez com que o patrocínio tão determinante fosse mantido discreto ao longo destes 18 anos de existência. Obrigado, mano casaco! Teria de ser amnésia colossal não lhe ter em conta como um membro honorário.
Gociante Patissa, Benguela, 01 Fev 2017
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