Passam das 10 horas da manhã. É domingo. Pessoas
normais estarão a caminho da praia, a visitar parentes, ou na cama em ressaca,
não ligadas ao telefone fixo com discurso repetido para uma lista com mais de
80 nomes. Mas tem de ser, e é comigo:
"Aló",
atende-me uma voz feminina.
"Sim, bom dia. Ligo
da empresa X para confirmar se a senhora vai usar o serviço que reservou para
hoje. Falo com a senhora Wanda?"
Do outro lado da linha, a senhora não se
contém. Rebenta mesmo uma risada com sabor a sarcasmo. Estou calmo e deixo a
senhora rir-se às custas do meu ouvido. Instantes depois, satisfeita talvez por
lavar a alma, ela confirma, corrigindo:
"/Uanda/?! /Vanda/!!! Sim, sou eu.
Vou usar".
Não sou pago para discutir
sociolinguística com os clientes. Aliás, pouca utilidade há para pensar, de tão
autómatas que certas missões são, pelo que agradeço a atenção e deixo um até
logo.
Agora, no intervalo entre uma chamada e a outra,
quem ri sou eu. Sim, porque em Umbundu, língua nacional predominante no centro
e sul do país chamado Angola, e em particular em Benguela, "owanda",
ou simplesmente "wanda" [ua:nda], significa rede. É um nome que se dá
a crianças que surgem depois de o casal ter perdido outros filhos. É como
metáfora a dizer que a rede da morte poderá arrastar esse recém-nascido a
qualquer momento também. E a pessoa cresce com aquele nome. Para a minha
interlocutora, de certeza, só existe uma forma, Wanda que se lê com /v/.
Já lá vão uns três anos e não sei como fui
pensar logo hoje em ruídos na comunicação.
Gociante Patissa, Benguela, 08.12.2012
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