sábado, 10 de maio de 2014

Extracto do conto UM NATAL COM A AVÓ

Todas as vezes que veio à cidade, Velha-Mbali se deparou com deselegantes surpresas, mas a desta vez, batia seguramente todos os recordes. A anciã chegou mesmo a tossir de choque ao cruzar com miúdo de doze anos apenas, não mais do que isso, girando a cidade para cima e para baixo com cuecas e sutiãs de mulher adulta no ombro a gritar: «arreou, arreou no negócio, é a última zunga do ano!!!»

E como a ousadia é a alma do negócio na zunga, o rapaz abordou-a insistentemente, para não dizer chatamente:
— Minha mamoite, arreou na tanga; olha “mónica”; táqui surtião…

Velha-Mbali ainda tentou fingir indiferença, mas não aguentou. Arremessou, com toda a violência, o galo de raça contra a cabeça do adolescente:
— Vai faltar respeito na tua mãe, que não te deu educação!!!

O zungueiro, que nunca vira tão intempestiva reação de potencial cliente, logo uma “mamoite”, meteu-se a correr. E no máximo da sua quilometragem! E devia ter uma cabeça muito rija mesmo, o zungueiro, já que o impacto da pancada fez rebentar a corda que imobilizava as patas do galo. Este, que não imaginava as fêmeas que por ele esperavam para reprodução lá no kimbo, meteu-se em fuga no frenético trânsito urbano em hora de ponta. Era ver o desespero da anciã diante do risco de perder o animal. Isso é que nunca! Eis que arregaçou o espírito, e lá ia atrás do galo, ela que também já não tinha lá muita juventude nas pernas. De repente… — puapualakatá, pumbas! — acabava de ser atropelada por um kupapata, que vinha em sentido contrário.
— Netele, a njali, ndakapele okuteta onimbu… (É desculpar, minha mãe, a intenção era fazer corta-mato...)
— Amõla wange, watopa muele cokuti vetapalo omo oteta onimbu?! (És tão parvo assim, meu filho, que queres corta-mato na estrada?!)
— Vangecele, mamã…(Perdão, mãezinha…) — suplicava o kupapata, enquanto se levantava do chão e inventariava os danos.
— Mbi cakulimba okuti olikondakonda opitaela?! (Esqueceste que quem contorna também costuma chegar?!)

O kupapata de imediato ligou para o serviço de bombeiros, que localizou a família e levaram Velha-Mbali ao banco de urgência. Algumas horas mais tarde, estava aplicado o gesso. O kupapata tinha muitos danos, a começar mesmo pela compra de outro galo de raça — regressar de mãos a abanar é que Velha-Mbali não aceitava de modo algum!

Gociante Patissa, in “A ÚLTIMA OUVINTE”, pág. 62-63. União dos Escritores Angolanos, Luanda, Angola, 2010.
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