No
outro dia pediram-me um poema, para a minha agonia. Apalpei os bolsos e no
momento não se achava um só. Podia ter declarado logo insolvência, que os
rendimentos ultimamente mal dão para cobrir o básico – a comida, a renda de
casa, o transporte – quanto mais restar margem para extravagâncias. Mesmo assim,
temendo ser rude, eventualmente, prometi arranjar o maldito poema. Afinal, sou
um homem de palavra, ou ao menos tento ser. Sucede que de lá para cá me visto
de um turbilhão de indagações quando raia a lucidez. Onde achar um poema nos
dias que correm? Em que tempo verbal funcionaria tal coisa? Vivo procurando o
poema que prometi. Mas saberei ainda o que é? É coisa de tratar por tu ou por
você? Foge-me a memória do último que apertei e me escapou. De que forma ou
estrutura? Apetecia de repente um poema vadio, que se insuflasse à velocidade
de cruzeiro e te alcançasse, salgada, livre de tecidos, fumasse uma fedorenta ponta
em dia de chuva, bebesse sumo de cajú, te desfilasse a língua em riste a auréola,
derretesse o forno todo, lambesse aos estalidos as secreções. Mas quanto tempo
dura um poema, meu bem? – Pergunta tola, já sei. Não respondas. – Talvez o
hiato entre o ardente desejo e o talvez.
Gociante
Patissa | Benguela, 2018 https://angodebates.blogspot.com/
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