O Hospital Geral de Benguela (HGB) conseguiu curar-se, finalmente e da
melhor maneira que se possa imaginar, de uma vergonha, talvez a maior, que lhe
faziam publicidade, ao longo de décadas, à falta de visão e pragmatismo. Foi o
que constatei anteontem no banco de urgência aonde fui prestar apoio a um familiar
(no português europeu diriam tio-avô, justaposição que no entanto inexiste na genealogia
umbundu. Meu avô, e ponto final).
Aos olhos do utente, na verdade só problemas gravitam em torno do dia-a-dia
do tradicional estabelecimento de saúde poeticamente mais bem localizado na
velha cidade. Noticiários, agenda pública, clamores de bordo de kupapata. Inevitável
faz-se aquela impressão de que o HGB, com todo o mérito ao que é bem feito,
acaba se resumido numa palavra. Carência. Vamos lá ver se caprichamos no
linguajar. Carência de fármacos, de seringas, de agulhas, de borboleta para
canalização intravenosa, de um pavilhão com as mordomias do internacional, mas
acessível ao salário mínimo nacional. Enfim, carências.
E por Benguela passaram pelo menos três governadores (Rangel, Neto, Anjos),
tal como passaram outros nomes pela hierarquia mais abaixo, entenda-se Direcção
Provincial de Saúde e Direcção Geral do HGB. Resolver o problema é que não eram
elas! Olhando agora para a solução aplicada – simples, cómoda, criativa e digna – custa imaginar como
levou tanto tempo para uma tão iluminada ideia dar o flash ao sonho de alguém
(não sei quanto custou a obra, mas não vamos por aí). Em causa, a humanização,
não apenas do doente, mas também do seu acompanhante, doseando de maneira mais
assertiva.
Sacrificar poucos metros quadrados de canteiro para erigir alpendre com luz,
WC e água corrente foi santo remédio. Pôs fim a um cenário que tinha tanto de intrigante
como de perigoso. Refiro-me à concentração de pessoas, tendas e trouxas na
berma de uma estrada nacional, adjacente ao banco de urgência, sujeitas a
atropelamentos e a contraírem doenças tropicais como a malária, precisamente
quando movidas a estarem ali em prontidão para a saúde de seus entes internados.
Do mal ao pior, curta costuma ser a distância. De tal sorte que, sendo as
necessidades fisiológicas ditadoras do jeito que são, e não funcionando
mudanças na ausência de alternativas, a serventia do banco de urgência fedia
horrivelmente de urina e fezes depositadas, à socapa, ao pé das poucas árvores.
Tão caro me é o tema que surge no conto «Rua das Empregadas»,
um dos que compõem o livro «O Homem que Plantava Aves», que chega ao leitor
angolano muito brevemente, como ilustra o trecho que se segue:
«O ex-delegado
tinha dificuldade em dosificar em si a sensibilidade de enfermeiro e o punho
militar. Arguia que a morada permanente ao relento, ao mesmo tempo que destoava
o código de postura e a estética de uma cidade acolhedora, representava em si
outro risco, no caso à saúde. Desavisado foi-lhe todavia anunciar o poder do
chicote para eliminar aglomerados na berma da estrada. Só que o africano, pelo
menos por aquilo que se sabe do Bantu, não conhece colchão mais confortável do
que o sacrifício de estar perto do seu ente, morto ou vivo. E isto transcende o
poder administrativo de pendor ocidental. E 1975 é bebé.»
Termina-se
esta terceira crónica da série A Voz do Olho com um «assim, sim!», ó HGB.
Gociante
Patissa | Benguela, 05.10.2018 | www.angodebates.blogspot.com
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