O primeiro
Workshop sobre cultura Lunda-Cokwe, organizado há dias na cidade de Saurimo
marcou o despertar de uma nova visão em prol do resgate da sua identidade. No
fórum a língua ocupou o topo das prioridades na desafiante empreitada que visa
confiar às novas gerações um legado sólido do rico manancial de conhecimentos que
garantiu uma convivência harmoniosa nas comunidades.
Grande-reportagem
de Adão Diogo no Jornal Cultura | 9 a 22 de Outubro de 2018
O pano-saia,
da indumentária ostentada por alguns funcionários desperta a curiosidade de dezenas
de convidados acomodados numa sala de conferências do hotel Kawuissa, centro da
cidade de Saurimo, decorada onde as armas de fogo de fabrico artesanal, imagens
esculpidas de troncos de árvores, instrumentos musicais e artefactos de uso
doméstico assinalam o convívio harmonioso entre o moderno e o tradicional.
A
valorização da língua Cokwe considerada pilar importante na identificação da
cultura sobressaiu dos debates, com um número assustador de inscrições, para
contribuir no resgate de valores sufocados pelas circunstâncias e por esta via
perpetuar um legado que permita as novas gerações manterem na diferença os
traços de identidade.
O
Workshop, colheu subsídios importantes. O desgaste despontado nas intervenções conferiram
mérito à iniciativa reputada como passo importante para executar uma empreitada
desafiante que deve entre outros locais começar com o ensino aos jovens, a
partir de jangos, sob a orientação dos mais velhos com competência reconhecida
a fim de transmitirem a experiência necessária.
Réplicas
e tréplicas acaloraram as acusações e argumentos de defesa entre os
intervenientes, motivados pelos detalhes nas prelecções apresentadas, sobretudo
quando os adultos acusaram os jovens de pautarem pela insubordinação, imediatismo
e falta de urbanidade na via pública e no meio onde vivem, em relação aos
temas, "A importância da divulgação do Cokwe, influência das novas
tecnologia na preservação da língua, nomes e adágios, e a importância dos ditos
na cultura Lunda-Cokwe".
Atenta
a governadora em exercício madalena uqueve Xili, defendeu urgência por parte
das estruturas competentes a multiplicação de iniciativas que estimulem o
ensino e debates sobre aspectos relevantes do manancial da cultura Cokwe,
herança social de hábitos e costumes, colocando o homem no centro das atenções.
Ao reconhecer que "nenhuma cultura é superior à outra", nota que a
cultura Cokwe " é das mais ricas" no país e alertou sobre o perigo de
"aculturação, na destruição de traços de identidade". Ofélia
subscreveu a proposta de edificação de jangos, para transmitir "bons
hábitos e costumes" aos jovens numa perspectiva de prepará-los como
líderes com bagagem suficiente para garantir estabilidade nas comunidades.
ORIGEM
E LIDERANÇA
Mwana Pwo |
Tradicionalmente,
acrescentou, os mbungu ou Tumbungu, assim designados os grupos que habitaram o
território Lunda, preocupados a dispersão de grupos, elegeram um líder que
entre outros desafios tinha a missão de aglutinar as tribos da região,
destacando o nome de Yala muako no século Vii depois de Cristo d.C, segundo
dados subscritos por antropólogos e cientistas.
Para
garantir a execução dos programas de governação que entre outros fins visaram a
manutenção da unidade, solidariedade e gestão do património do reino este
último integrado por " territórios, respectivos rios, florestas, entre
outros recursos" o rei contava com um pelouro de gestores distribuídos
para as áreas afins. A consanguinidade determinou a integração na linhagem
(Munhachi).
Uma pulseira
exclusiva conhecida por Lucano, no braço direito, usado de forma obrigatória
sobretudo nas aparições em público, simboliza o poder do líder. O seu uso no
braço esquerdo do líder, e um chapéu (Txipamgela) confeccionado com adornos
especiais, é um detalhe curioso na cultura Cokwe. Via de regra o pátio da casa
do líder é delimitado por uma cerca de estacas espetadas no chão.
CONFLITOS
MIGRAÇÕES
A prelecção
esboçou os conflitos no reino que geraram facções responsáveis pelas migrações
a partir da sua capital Mussumba, no Congo Democrático. O prelector assinalou a
margem esquerda do rio Cassai como itinerário importante do fenómeno migratório
e o desabamento de uma torre a sua construção, projectada por um grupo de
renomados artífices, à semelhança de Babel, a fim de tocar o céu. Sublinhou que
parte dos escombros do empreendimento jazem numa localidade que confina os
municípios de Dala e Cacolo.
Descreveu a
complexa genealogia até à entronização do soberano Cokwe Mwatshissengue
Watembo, e nota que as circunstâncias vividas em distintos momentos alteraram
de hábitos e costumes. Perante o perigo eminente de extinção de valores, os
"Tuchokwe", assim conhecidos no passado são chamados a preservarem a
cultura Cokwe, a começar pela língua.
As tecnologias na
visão do prelector António José Augusto é um suporte ao importante para a divulgação
de factos no domínio da cultura, longe de carregar o rótulo de "inimigo
que adultera e delapida os sinais de identidade. Criado pelo homem para
aproximar as pessoas "não deve criar repulsa ou rejeição sob o velho
subterfúgio de " ser obra do branco".
António Augusto
que é chefe de departamento da cultura na província do Moxico narrou parte da
realidade constatada no decurso de incursões para pesquisa pelo interior, em
busca de provas autênticas sobre o passado a fim de actualizar e publicar
conteúdos que de forma pedagógica despertem o interesse e agreguem valores às novas
gerações, apegadas às redes sociais onde as mensagens espelham realidades
alheias à cultura da região.
Referiu que o
preço para alterar o quadro vigente implica coragem, inteligência e sentido de
compromisso para enfrentar deboches e outras formas de desdém diante de
iniciativas singulares ou colectivas como a do "Hano Hene". O
projecto em curso carece de um grupo de intensidade para resgatar dos mais
velhos o legado guardado. Para a sua divulgação os protagonistas do Hano-Hene
optam pelo teatro com grupos baseados em zonas alvos de pesquisas, e a
compilação de dados em arquivo digital para garantir subsídios no processo da
actualização da história .
Das constatações o
interlocutor destacou a passagem pela travessia do Kawewe, sobre uma rocha, no
Cassai, localidade situada no território de Muconda, usada por uma comitiva de
lideres e respectivos súbditos tradicionais, que peregrinaram pela baixa de
Cassanje, Marimba em direcção a Mukulo ua ngola. Incentiva à realização de
pesquisas às origens, citando a região de Tanganica.
HOMENS NO MUNGONGE
E MULHERS NO TXIWILA
O valor das
instituições tradicionais de ensino, Mungonge e Txiwila para as mulheres. Mitos
e crenças sustentavam a simbologia de Deus através da água, e ânsia de chegada
à terra prometida. A palavra Calunga na perspectiva das instituições traduzem a
ideia de mar, com um sentido interpretativo múltiplo, dai o valor sagrado da água
usado para o banho e outros fins.
As prelecções
convergiram em relação à necessidade de descoberta da verdade mediante um
regresso ao século IV. A chegada tardia do colonialista no antigo distrito da
Lunda-Cokwe levanta sérias dúvidas sobre a autenticidade da história escrita da
região, à semelhança da existência da tribo Lunda, pelo facto do termo
Tumbungu, atribuído aos antigos habitantes da Lunda, designar povos fixos da
região.
Ressaltaram o
impacto da circuncisão (Mucanda), prova de fogo que culmina com a capacitação
do jovem para os desafios na vida em comunidade. A iniciação feminina na
puberdade para corresponder às exigências no lar, variantes na escrita da
palavra Cokwe por vezes alterado para Txokwe, ou Tchokwe e quíocos nas versões
da escultura Samanhonga, com as mãos sobre a cabeça ou apoiando as bochechas,
geraram inquietações entre os participantes que recomendaram estudos e análises
para dissipar dúvidas.
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