Nota
prévia: O depoimento do escritor surge a convite do jornal Folha-8, edição de
27.10.18, que lhe deu um tratamento de síntese por questões de espaço. Segue-se,
pois, o conteúdo na íntegra.
É
pertinente a medida traçada pelo executivo sobre a criação do fundo para
subvenção do livro. Eu não sou perito mas como escritor, tenho andado por
alguns países e participado em eventos como a Bienal do Livro de Jerusalém, uma
iniciativa presidencial, estivemos na Bienal de Jovens de CPLP, mais
recentemente na Festa Literária de Pelourinho no Brasil. O que vamos vendo é
isso. Tem que haver um comprometimento institucional para fazer do livro um
mecanismo de intercâmbio, naquilo que se fala muito, da diplomacia cultural.
Então,
a minha expectativa é que esta política do livro venha também a dar vitalidade à
promoção. Porque o que é que acontece? Acontece que alguns escritores angolanos
vão tendo oportunidades de visitar eventos internacionais, depois infelizmente
Angola não oferece reciprocidade. Ou seja, se por um lado nós agradecemos que
outras nações nos ajudem a divulgar o que é nosso, depois vamos ter o impasse
de que nós também não fazemos nada por aquelas nações. O que é que vai
acontecer? É que o próprio livro, mesmo dentro do espaço da língua portuguesa,
não circula. Então, penso que essa política do livro, tanto vai impulsionar a
investigação, a produção, mas também uma relação de intercâmbio – não digo tanto
de igual para igual, mas pelo menos de Angola que também tenha algo a oferecer.
Por
outro lado, espero não estar muito deslocado, mas a outra minha expectativa é
que esta política venha a dar incentivo num sector nevrálgico mas que não tem
merecido prioridade, que é o da produção de literatura em línguas nacionais. Se
houver depois, dentro do fundo, uma componente para bolsas de criação
literária e bolsas de pesquisa em línguas nacionais, será muito importante. Porque
não se pode falar do ensino das línguas nacionais sem o suporte bibliográfico.
Em
termos mais imediatos, o que se quer é que o livro saia desse espectro de objecto
repelente, objecto de elite, e consigamos ter tiragens genéricas em certa
medida mais confortáveis. Está visto que mil exemplares, que é o nosso padrão
de tiragem de livros, para um país com cerca de 25 milhões de habitantes, com
províncias algumas delas muito distantes das outras, não é para já uma
realidade promissora. Então são muitos os desafios.
Sei
que temos uma postura imediata de cepticismo, pois já foram muitas as promessas
institucionais que acabaram por não se materializar. Compreenderei o cepticismo
dos que olharão para este anúncio do governo como sendo mais uma “boa intenção”,
que eventualmente não vingará, mas eu iria pedir – até para legitimarmos a
nossa cobrança – é dar um voto de confiança.
Era
preciso avaliar o que é que nós já fizemos, que iniciativas boas foram feitas,
e o que é que há a depurar. Por exemplo, não entrarei para o mérito da gestão
financeira – porque é algo que eu não domino – não é por ali. Nem da
transparência nem da lisura. Mas pelo menos há alguns aspectos do [extinto]
GRECIMA, na componente do projecto “Ler Angola”, que podiam ser melhorados. Falo
como beneficiário. Fui um daqueles do concurso nacional que apurou 11 obras de
autores relativamente novos. Tivemos um subsídio financeiro, tivemos uma percentagem das vendas, e
o próprio livro custou 500 kwanzas. Tanto é que, pelo que sabemos, os livros
esgotaram. Quanto mais barato e mais promovido o livro for, ganharemos todos
como país.
Não
vale a pena pensarmos que cultura é só o carnaval. Até porque o carnaval, que a
meu ver é o que mais dinheiro absorve do Estado, acaba por não ser sustentável.
Ou seja, vamos desfilar, no dia seguinte não há mais nada, depois não fica nada
registado. O livro poderá ser um suporte para marcar o próprio carnaval para a
posteridade, sob o ponto de vista de lhe dar um suporte teórico.
*Escritor.
Residente em Benguela | www.angodebates.blogspot.com
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