domingo, 28 de outubro de 2018

Gociante Patissa reage à Política Nacional do Livro e da Promoção da Leitura | É PRECISO INCENTIVAR A PRODUÇÃO DE LITERATURA EM LÍNGUAS NACIONAIS


Nota prévia: O depoimento do escritor surge a convite do jornal Folha-8, edição de 27.10.18, que lhe deu um tratamento de síntese por questões de espaço. Segue-se, pois, o conteúdo na íntegra.

É pertinente a medida traçada pelo executivo sobre a criação do fundo para subvenção do livro. Eu não sou perito mas como escritor, tenho andado por alguns países e participado em eventos como a Bienal do Livro de Jerusalém, uma iniciativa presidencial, estivemos na Bienal de Jovens de CPLP, mais recentemente na Festa Literária de Pelourinho no Brasil. O que vamos vendo é isso. Tem que haver um comprometimento institucional para fazer do livro um mecanismo de intercâmbio, naquilo que se fala muito, da diplomacia cultural.

Então, a minha expectativa é que esta política do livro venha também a dar vitalidade à promoção. Porque o que é que acontece? Acontece que alguns escritores angolanos vão tendo oportunidades de visitar eventos internacionais, depois infelizmente Angola não oferece reciprocidade. Ou seja, se por um lado nós agradecemos que outras nações nos ajudem a divulgar o que é nosso, depois vamos ter o impasse de que nós também não fazemos nada por aquelas nações. O que é que vai acontecer? É que o próprio livro, mesmo dentro do espaço da língua portuguesa, não circula. Então, penso que essa política do livro, tanto vai impulsionar a investigação, a produção, mas também uma relação de intercâmbio – não digo tanto de igual para igual, mas pelo menos de Angola que também tenha algo a oferecer.

Por outro lado, espero não estar muito deslocado, mas a outra minha expectativa é que esta política venha a dar incentivo num sector nevrálgico mas que não tem merecido prioridade, que é o da produção de literatura em línguas nacionais. Se houver depois, dentro do fundo, uma componente para bolsas de criação literária e bolsas de pesquisa em línguas nacionais, será muito importante. Porque não se pode falar do ensino das línguas nacionais sem o suporte bibliográfico.

Em termos mais imediatos, o que se quer é que o livro saia desse espectro de objecto repelente, objecto de elite, e consigamos ter tiragens genéricas em certa medida mais confortáveis. Está visto que mil exemplares, que é o nosso padrão de tiragem de livros, para um país com cerca de 25 milhões de habitantes, com províncias algumas delas muito distantes das outras, não é para já uma realidade promissora. Então são muitos os desafios.

Sei que temos uma postura imediata de cepticismo, pois já foram muitas as promessas institucionais que acabaram por não se materializar. Compreenderei o cepticismo dos que olharão para este anúncio do governo como sendo mais uma “boa intenção”, que eventualmente não vingará, mas eu iria pedir – até para legitimarmos a nossa cobrança – é dar um voto de confiança.

Era preciso avaliar o que é que nós já fizemos, que iniciativas boas foram feitas, e o que é que há a depurar. Por exemplo, não entrarei para o mérito da gestão financeira – porque é algo que eu não domino – não é por ali. Nem da transparência nem da lisura. Mas pelo menos há alguns aspectos do [extinto] GRECIMA, na componente do projecto “Ler Angola”, que podiam ser melhorados. Falo como beneficiário. Fui um daqueles do concurso nacional que apurou 11 obras de autores relativamente novos. Tivemos um subsídio financeiro, tivemos uma percentagem das vendas, e o próprio livro custou 500 kwanzas. Tanto é que, pelo que sabemos, os livros esgotaram. Quanto mais barato e mais promovido o livro for, ganharemos todos como país.

Não vale a pena pensarmos que cultura é só o carnaval. Até porque o carnaval, que a meu ver é o que mais dinheiro absorve do Estado, acaba por não ser sustentável. Ou seja, vamos desfilar, no dia seguinte não há mais nada, depois não fica nada registado. O livro poderá ser um suporte para marcar o próprio carnaval para a posteridade, sob o ponto de vista de lhe dar um suporte teórico.

*Escritor. Residente em Benguela | www.angodebates.blogspot.com
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