Imagem: Berimbau Notícias (Brasil). |
Acompanhei
com redobrado desgosto no noticiário da Rádio Mais do Lobito uma peça sobre o intrigante
tema da feitiçaria, sobretudo pela ligeireza do ângulo de abordagem. Na referida
matéria, apresentada com um implícito tom que oscila entre o criminal e a
punitiva moral cristã, ouvia-se uma senhora que alegadamente confessava ser
responsável pela morte de três filhos seus por meio de um feitiço que recebera de
um tio seu.
Pelo
sotaque, a acusada é da etnia Cisanji, do município do Bocoio. Tal feitiço, relatado
na voz triunfalista do locutor e mais tarde reforçado pela suposta bruxa confessa, seria também responsável pela atracção do êxito na produção agrícola
só para ela, enquanto para as demais lavras vizinhas o ano produtivo foi de desgraça.
No trecho que acompanhei não se ouvem sociólogos nem psicólogos nem historiadores
nem antropólogos nem autoridades tradicionais. A peça termina com a senhora a
dizer mais ou menos o seguinte:
«Sempre
que os familiares vão ao kimbanda para o trabalho de adivinha, o meu nome é que
sai visado. Então, eu disse que como sempre é a mim que acusam de estar a
causar o mal à minha própria família, então confesso e entrego o tal feitiço.»
Será
a confissão substância suficiente para a pauta do tipo “facto do dia”? Enfim, é
de uma superficialidade inquietante, na medida em que não se consegue vislumbrar
o papel da rádio no day after da “notícia”.
Voltará ela ao mesmo meio social após esta difusão “bombástica”? Em caso de retaliação
violenta, a quem iremos cobrar responsabilidades? Seria mesmo um assunto para tratar
na comunicação social, ademais sem ser numa perspectiva de
interdisciplinaridade (congregação de vários saberes para uma melhor
compreensão do quadro psicossocial dos agentes envolvidos na problemática)?
A
Rádio Mais embarcou numa “especialidade” da editoria Umbundu da Rádio Benguela,
onde a exposição de alegados feiticeiros acaba, não alimentando a coesão
social, mas o sensacionalismo efémero. Há meses, uma senhora do Cubal teria assumido
autoria da inflamação da barriga do marido (num quadro de ascite), alegadamente
por ter preparado o feijão com a água antes usada para lavar as partes íntimas
dela para o tornar mais manso. E lá se ouvia o locutor justiceiro a puxar as
orelhas pelo microfone, assumindo como suas as dores de um “crime” que para já
não testemunhou.
E
não é só em Benguela. Noto uma tendência inconsequente, quase exótica, de
abordar o assunto da feitiçaria nas agendas informativas de algumas rádios, sempre
no prisma de cidadãos que confessam autoria de danos (algumas vezes
irreparáveis) na vida de outrem. A impressão que fica é de caminharmos para um exercício jornalístico
social kamikaze.
Há
dias recebi o áudio de uma das rádios de Luanda a reportar uma criança de doze
anos que se dizia, à semelhança de outras da sua rede, utente do poder sobrenatural
de transformar qualquer um em qualquer coisa. Gabava-se de ter causado deficiência
a um agente da polícia por alegadamente não lhe pagar a dívida do negócio. Teria
recebido o feitiço de uma “langa” (cidadã oriunda do Congo Democrático), sua
sequestradora.
Faz
imensa falta nas redacções a figura do editor de cultura, aquele profissional dotado
de vasta cultura geral e compreensão endógena da idiossincrasia do grupo etnolinguístico
predominante na região. Informar por informar não forma. Ainda era só isso. Obrigado.
Gociante
Patissa | Benguela, 8 Fevereiro 2018 | www.angodebates.blogspot.com
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