domingo, 30 de agosto de 2015
Lobito | Associação Literária empossa corpo directivo
Foi
extinta este sábado (29/08) a comissão instaladora da Associação Literária e Cultural de Angola (ALCA). O acto
solene teve lugar num dos restaurantes da cidade do Lobito e dá início ao
funcionamento oficial da agremiação fundada a 07/03/2015. A tomada de posse da direcção
executiva e do elenco administrativo foi o ponto mais alto.
quinta-feira, 27 de agosto de 2015
Partilhando leituras
Hoje trago o poema AMOR MUDO, que é uma versão do escritor
português Herberto Hélder a canções de camponeses do Japão.
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(Uelsmann)
Ardendo de amor, as cigarras cantam:
mais belos porém são os pirilampos,
cujo mudo amor lhes queima o corpo!
Herberto Hélder. In «O Bebedor Nocturno», pg. 129. Porto
Editora, 3.ª edição. Abril de 2015
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Vale recordar que o meu exercício de leitura é baseado numa pura questão de gosto/sensibilidade, sendo que no campo da poesia, encanta-me muito mais a escrita que se aproxima ao provérbio, ao espírito da tradição oral, ou quando os parâmetros de paralelismo e contraste são evidentes. GP
Vale recordar que o meu exercício de leitura é baseado numa pura questão de gosto/sensibilidade, sendo que no campo da poesia, encanta-me muito mais a escrita que se aproxima ao provérbio, ao espírito da tradição oral, ou quando os parâmetros de paralelismo e contraste são evidentes. GP
Diário | Afinal já não 'habemus' o livro FÁTUSSENGÓLA, O HOMEM DO RÁDIO QUE ESPALHAVA DÚVIDAS | KERO do Lobito voltou a esgotar o stock
A subvenção do livro e a consequente redução
dos preços parece ser - como de resto sempre se defendeu - uma saída fértil
para o fomento da leitura. No KERO do Lobito, mais uma vez esgotaram-se os
exemplares do meu livro FÁTUSSENGÓLA, O HOMEM DO RÁDIO QUE ESPALHAVA DÚVIDAS
(Grecima, 2014). Tal como os demais publicados pelo projecto governamental LER ANGOLA, custa quinhentos Kwanzas. Não sendo tudo
mau, no mesmo KERO do Lobito estão também à venda os livros A ÚLTIMA OUVINTE
(UEA, 2010) e o NÃO TEM PERNAS O TEMPO (UEA, 2013). A foto foi hoje tirada
quando por lá passei com o intuito de comprar alguns exemplares, uma vez ter
prometido regalar alguns amigos no âmbito do prémio pelo exercício de tradução
em mais um concurso relâmpago que venho promovendo no facebook. Assim, já não
havendo até onde sei exemplares do livro FÁTUSSENGÓLA, O HOMEM DO RÁDIO QUE
ESPALHAVA DÚVIDAS, e caso concordem, receberão em substituição um exemplar do
livro NÃO TEM PERNAS O TEMPO, também de minha autoria. Aceitam?
terça-feira, 25 de agosto de 2015
Reportagem | «Na rua eu já escrevia»: Entre o sonho e a crueldade da vida, a história do jovem Mauro Solitário
Mauro
Solitário é como prefere ser chamado «o poeta» da Okutiuka, ONG que alberga crianças
e pré-jovens vulneráveis na cidade do Huambo. José Litalato Graciano é o seu nome
de registo. Tem 21 anos e destaca-se pela inclinação à arte. Sonha ser psicólogo
e um grande escritor mas, antes, tem de estar acordado para a crueldade da vida
real.
Por
limite de idade, Mauro deverá abandonar o centro que o acolhe há uma década. Sem
meios nem a quem se encostar, resta-lhe um futuro sombrio. A ligação com os
pais parece ter-se ficado pelo biológico. «A minha tia me disse que estão vivos,
mas nunca tive contacto com eles». Voltar a morar ao relento seria a última escolha,
se escolher lhe fosse possível. Mas não é tudo. Deixou de estudar ainda na 9.ª
classe, segundo disse, por ter perdido os documentos numa deslocação que fez a
Luanda para tratar da saúde.
A
reportagem do Blog Angodebates conversou com Mauro no domingo (23/08) à pala do
poeta Chico Pobre, que organiza e faz tenção de incluir Mauro solitário no naipe
de declamadores do festival de poesia aprazado para Setembro. Não foi possível
contactar a responsável da Okutiuka, Sónia Ferreira, que não se encontrava nas
instalações.
«A
princípio, quando eu vivia na rua, já escrevia. Escrevia algumas coisas, tipo
romance, mas os meus amigos não iam de acordo com aquilo. Gostaram mais quando
um dia lhes mostrei poesia. Daí comecei a escrever coisas que fazem com que a
pessoa sinta. Mas propriamente, comecei a me dedicar mais por aí há três anos»,
conta Mauro.
Os
impulsionadores «são os meus amigos que deixei na rua mesmo», esclarece Mauro
Solitário. Se ainda mantém contacto com eles? A resposta é negativa. O primeiro
poema por si escrito, «era sobre uma namorada», revela, e logo acrescenta: «Já não
me lembro, já passa muito tempo; é sobre a namorada dos meus amigos. Quando se
deixaram, então eu escrevi uma prosa para ele, para que não pensasse mais assim
muito nela.»
Guarda
o projecto de livro no seu computador portátil mas, para não fugir à regra de reduzir
a poesia à declamação, comum entre jovens aspirantes a poeta, Mauro Solitário guarda
alguns temas em áudio no estúdio artesanal que um «irmão» seu montou ali mesmo
no espaço da Okutiuka. «Tenho muitas dificuldades. A principal é de encontrar
um apoio para que peguem ou patrocinem a minha obra. Outros apoios… é encontrar
um sítio para ficar, porque daqui a mais um ano já poderemos sair», frisa o
jovem.
Mauro,
que faz da solidão a sua identidade e o fio condutor dos textos que escreve, conhece
bem o valor do centro que o acolhe: «A
Okutiuka representa para mim uma casa que nunca tive, uma família. Quando
cheguei aqui na Okutiuka, vim por intermédio do maltrato da minha família. Passei
muito tempo na rua, seis anos e tal. Então, tem uma pessoa que me acolheu, me
trouxe cá em 2004», completa.
Diz
gostar pouco de ler poesia, preferindo obras técnicas e científicas, o que soa um
tanto dissonante para quem sonha consagrar-se como poeta. O livro mais recente
que leu foi um «sobre a geografia do presente e do passado de Portugal». O
acesso aos livros é outro luxo de que não dispõe, já que «a biblioteca encontra-se
sem condições». Ainda assim, sonha ser psicólogo para poder «estudar a
mentalidade de qualquer um». Da lavra de Mauro Solitário, escolhemos o poema que
se segue:
A NOITE É COMO UMA
CHUVA QUE CAI
A
noite é como uma chuva que cai
Em
um bairro isolado com caminhos apertados e parados ao mesmo tempo
Entre
as marcas da solidão da beleza das pequenas coisas que fazem a vida valer a pena
A
noite é como uma chuva que cai
Em
um caminho perdido no cheiro do mar onde a história de um pobre órfão
Transforma-se
em guerra num território virgem de segredos mais profundos
E
mais sombrio entre os caminhos tão simples de oportunidades de vida mergulhados
Entre
crimes do século de mágoas.
A
noite é como uma chuva que cai
Em
uma cidade perdida no meio do nada com caminhos tão simples resmungados
De
esperança a um metro de distância.
segunda-feira, 24 de agosto de 2015
domingo, 23 de agosto de 2015
Edna Mateia anuncia para breve lançamento do seu primeiro disco
Foi com enorme ovação que o público reagiu à
novidade na noite de sábado (21/08), durante um desfile de moda na cidade do
Huambo, testemunhado pelo Blog Angodebates. Edna Mateia animou a noite com dois
temas promocionais, o “para ti, mulher”, cantado na língua portuguesa, e "kafeko" (que significa mocinha na
língua Umbundu).
Por seu lado, o mestre de cerimónia, Otenásio Matias, como quem tem acesso privilegiado aos bastidores, sublinhou que o disco de estreia da Edna está para breve, muito breve, sem no entanto adiantar datas nem títulos.
Por seu lado, o mestre de cerimónia, Otenásio Matias, como quem tem acesso privilegiado aos bastidores, sublinhou que o disco de estreia da Edna está para breve, muito breve, sem no entanto adiantar datas nem títulos.
sexta-feira, 21 de agosto de 2015
Citação
"Estamos a trabalhar para melhorar a vida do nosso povo. Vamos criar condições para dar ao povo água potável e energia potável" (discurso devidamente potável atribuído a um certo governante, que entretanto me pareceu ser uma paródia)
quinta-feira, 20 de agosto de 2015
Desfazendo dúvidas | "Pakulamento" é corruptela do verbo "ko pakola/pakula" na língua Lingala
O verbo vem do tão
simples Lingala - língua falada na RDC. Forçar a coisa é passar por parvos,
mais do que os usuários dos mesmos produtos.
Como bom falante da
Língua - no caso Lingala - irei pôr aqui os pontos nos iis.
Primeiro: A origem
etimológica dessa expressão vem dos bairros que aos inícios dos anos 90 vinham
populando Luanda. Bairros como Mabor, Petrangol e Palanca(o reino). Verdade seja
dita, muitos dos falantes de Lingala eram angolanos regressados depois do
aparente calar das armas e o período das eleições de 92.
Diário | A propósito de "pakulamento", um enquadramento etimológico algo forçado
Chegou ao meu conhecimento que determinado
compatriota nosso, em Luanda, ofereceu aos seus leitores uma origem etimológica
de "pakulamento", termo usado para descrever a prática deliberada de
clarear a pele, a "mulatização" para muitos, que volta à baila na
sequência da adesão e publicitação que está a ganhar entre artistas
(intelectuamente ocos e na sua maioria do piorio que o nosso mercado musical viu nascer), mas também entre líderes religiosos e
políticos.
quarta-feira, 19 de agosto de 2015
terça-feira, 18 de agosto de 2015
segunda-feira, 17 de agosto de 2015
Citação
"Assinaram a livre circulação de pessoas e bens, fala-se da paz, mas na via a pessoa encontra trânsitos que chateiam, toda a hora querem dinheiro; afinal, a tal livre circulação de pessoas e bens não é efectiva!" (de um automobilista particular de longo curso no interior da província de Benguela)
quinta-feira, 13 de agosto de 2015
Diário | Até que caia suculento abacaxi de um eucalipto
Desafios do livro em Angola: Preguiça de
leitura, fraca acutilância das editoras ou deficiente produção literária? São
questões postas com alguma recorrência. Ultimamente, entre acusações
de preguiça e desfile de algum narcisismo (que é comum no sector artístico,
alimentado quase sempre pelo conflito de gerações), parece-me a mim que o
verdadeiro problema do livro em Angola (muito mais do que os fracos hábitos de leitura) é a
DISTRIBUIÇÃO, quer por privados, quer pela UEA. Antigamente, no tempo do
partido único, a tiragem andava acima de 5 mil exemplares, o que alguém chegou
a considerar quantidade industrial. Hoje, com uma população acima de 24 milhões
de habitantes, a tiragem ronda, quando muito, em mil e 500 exemplares,
comercializados a partir de mil kwanzas, que por sua vez ficam encaixotados em
Luanda. Se conseguíssemos pelo menos levar 50 exemplares de cada livro tirado
às 18 províncias, teríamos pelo menos 900 exemplares a circular. O que vai
acontecer neste lapso é o grupo português Leya dominar o mercado, obviamente
com os autores que lhe convier. Se o livro produzido internamente não circula,
esperar que seja conhecido é pedir suculento abacaxi a um eucalipto.
Gociante Patissa, Benguela 13.08.15Diário | Empreendedorismo na boca do povo
O povo queixa-se, sempre, é sua natureza. Às vezes, porque mente; às vezes, porque sente. Há cubanos com morada fixa na boca do povo, não pelas agulhas, comprimidos, nem pela empatia. Boa fama não vem, quando a nascente é o hospital, de Benguela, o geral, erguido sobre as esperanças do povo, muito dele sem fôlego para galgar a tesouraria de uma clínica. Como se já desagradasse pouco a barreira que é o pavilhão internacional, o povo que, como bem se diz, sempre reclama, às vezes porque sente, às vezes porque mente, já não pode com os cubanos, médicos talhados a comerciantes da dor do próximo. Especialistas em arrecadar não mais do que para o seu bolso, moram na boca do povo pelo quanto condicionam o atendimento da maioria, desde que qualquer singular lhes adorne a impunidade com umas dezenas de milhares de kwanzas. Nestes casos, o atendimento é bem personalizado, tudo existe de reagente, equipamento, enfim, até o tempo, que é o recurso mais escasso, praticamente um luxo. Os despojados, estes, podem bem padecer à porta apinhados ou no vazio de uma enfermaria, enquanto o médico, cubano, passa horas de empreendedorismo em "exames especiais" e/ou "cirurgias complicadas", pois podem todos, o médico pelo poder da função, o desesperado paciente pelo tostão. O povo queixa-se sempre, mal sabendo conservar eventuais provas. Talvez equivocado, ainda acho que há que ouvi-lo.
Gociante Patissa, Benguela 13.08.15
Gociante Patissa, Benguela 13.08.15
segunda-feira, 10 de agosto de 2015
Diário | Nós e as instituições
Eu, a preferir, preferia a exoneração. A exoneração humaniza, aproxima, é viagem de regresso para o mais profundo que há em nós, para dentro. Já a nomeação, não. O exonerado estende a mão, o nomeado tem marcação. Parece que há uma barreira entre os indivíduos e as instituições, de sorte que podemos ser amigos, mas, se amanhã lhe nomearem para alguma coisa... Está a ver? O que é preciso é, sem deixar desrespeitar a natureza soberana das instituições, ao mesmo tempo traçarmos um quadro de interacção horizontal.
(Divagações minhas em entrevistas dispersas)Gociante Patissa, Julho 2015
domingo, 9 de agosto de 2015
Diário | Discotecas a céu aberto
Ouvi há dias o novo administrador municipal do Lobito, Alberto Ngongo, anunciar a plenos pulmões que o combate à poluição sonora será uma das preocupações do seu reinado, pelo que conta com a colaboração das estruturas ao nível das administrações comunais e de zona. Estou para ver como isso será alcançado, sobretudo por recear que não haverá força humana em número suficiente para fiscalizar no terreno os maus hábitos que grassam na nossa sociedade, com maior incidência nos bairros periféricos onde, pior do que suportar os milhares de decibéis da casa ao lado quase que diariamente, é ainda a mentalidade da denúncia como elemento do exercício da cidadania ser previsivelmente mal encarada. De qualquer modo, já não seria mau que a administração municipal de Benguela, encabeçada por Leopoldo Muhongo, meu antigo professor do curso básico de jornalismo, lhe imitasse na adopção do combate à poluição sonora. Que me desculpem os mais antigos moradores, mas ultimamente o bairro do Quioxe, cá em Benguela, roça o insuportável. À excepção dos aniversários (que já parecem dar-se numa periodicidade diária), há sempre quem imponha o som até muitas altas horas. Silêncio? É o que parece tomar conta das autoridades, nada de patrulhar. Oh, se ao menos tivéssemos um número suficiente de especialistas em otorrinolaringologia...
Gociante Patissa, 09.08.15sexta-feira, 7 de agosto de 2015
Preguiça da cabaça
O deserto tem sua pressa
parece que passa
parece que pára
O céu vai sem gotas
há muito
a vegetação
absorta escapa
bebendo dos meus olhos
e o deserto
parece que passa
parece que pára
brincando aos tempos
Mas tinha já que passar
não sobra muito mais
na cabaça
das lágrimas
Gociante Patissa, in «Guardanapo de Papel»,
2014. NósSomos, Lda. Vila Nova de Cerveira, Portugal
____________
PS: «O escritor angolano José Luandino Vieira
anunciou esta semana, em mensagem privada enviada a alguns autores por ele
publicados em Portugal, o encerramento da editora NósSomos, que há cinco anos
havia começado um arrojado projecto editorial especializado na literatura
angolana, nomeadamente na poesia, “elemento fundamental da definição da
identidade cultural contemporânea de Angola”. (...) Entre os autores publicados
pela NósSomos constam os nomes de Agostinho Neto, Arnaldo Santos, Viriato da
Cruz, Arnaldo Santos, Dario de Melo, João Maimona, José Luís Mendonça, Lopito
Feijóo, Gociante Patissa, David Capelenguela, Nok Nogueira e Carlos Ferreira,
entre outros.» (Mutamba, Novo Jornal, 07.08.15)
Luandino Vieira encerra editora NósSomos
O escritor angolano José
Luandino Vieira anunciou esta semana, em mensagem privada enviada a alguns autores
por ele publicados em Portugal, o encerramento da editora NósSomos, que há
cinco anos havia começado um arrojado projecto editorial especializado na
literatura angolana, nomeadamente na poesia, “elemento fundamental da definição
da identidade cultural contemporânea de Angola”.
Facto é que depois de ter começado
uma jornada intensa que levou alguns escritores, da velha e nova gerações de
poetas angolanos, a terras lusas, eis que acontece o inesperado, tendo o editor
já feito uma espécie de notificação informal dirigida a alguns escritores que a
lavra editorial da NósSomos conseguiu desenvolver até aonde lhe foi permitido
chegar atendendo às circunstâncias.
Para a memória futura, fica um sonho
singular efectivado que não mereceu (como é usual na nossa terra...) a atenção
de quem de direito. E que deveria teria sido melhor aproveitado como rampa de
lançamento para a afirmação da literatura angolana, como era suposto acontecer,
num dos palcos literários mais importantes da língua portuguesa.
“O que se adivinhava sucedeu. Face
ao estado geral do mundo dominado pelo neoliberalismo e à submissão interessada
(ou ignorante?) (...), o sonho de uma editora independente não se realizou -
ainda e desta vez. Depois de cinco anos estamos em liquidação. Fizemos o que
pudemos. O que não podíamos acrescentou-se ao que, outros, fizeram para que se não
pudesse. A culpa é sempre de quem sonha nunca de quem acorda quem sonha...”,
escreveu o escritor em mensagem privada.
O autor de “Luuanda”, que este ano
completa 50 anos desde a sua publicação, deixou entretanto a porta entreaberta:
“A editora vai, assim, ‘hibernar’ - a empresa, formal e institucionalizada, que
existe na Rua Eduardo Mondlane, 130 em
Luanda, permanece sempre
contactável e de porta aberta”.
Entre os autores publicados pela NósSomos
constam os nomes de Agostinho Neto, Arnaldo Santos, Viriato da Cruz, Arnaldo
Santos, Dario de Melo, João Maimona, José Luís Mendonça, Lopito Feijóo,
Gociante Patissa, David Capelenguela, Nok Nogueira e Carlos Ferreira, entre
outros.
In «Mutamba», suplemento cultural do Novo Jornal, Luanda,
07.08.15
quinta-feira, 6 de agosto de 2015
Crónica | PARAÍSO DO BINGA
O dia despertou radiante sobre os nossos
corpos fustigados pelo cansaço.
Tínhamos caminhado toda a noite debaixo
de chuva e solavancos das pedras e chão escorregadio. Caminhamos entre socalcos
e por caminhos estreitos. Subimos montes atravessamos riachos. Sentimos o bafo
da terra húmida e apreciamos o desabrochar do grão. Lembro-me bem daquele
momento.
Rodeamos o pequeno rebento e apreciamos
silenciosos a nova vida: maravilha. Deixamos o local com pequenas lembranças,
escrevemos nossos nomes nas árvores e fizemos retratos. Depois andamos sobre
pequenos pedaços de alcatrão e penhascos. Chegamos a uma pequena aldeia.
Sentimo-nos em casa. Senti cada um daqueles aldeões parte de nós.
Ofereceram-nos água da Sanga e Quibeba. Partimos alegres cantando salmos de agradecimentos.
Por vezes a caminhada era barulhenta
marcada pelo ritmo das nossas conversas e risos. Por vezes surpreendíamo-nos
com alguma coisa. Por vezes o cansaço e desmaios. O sol era uma brasa de fogo e
fazia-nos estuar. E diminuía e emudecia nosso canto. As vezes soprava uma
pequena brisa.
Chegamos as cachoeiras do Binga. Tudo tornou-se mais belo. Da incerteza à certeza. O clima húmido, brisa mansa, lugar aprazível. Águas refulgentes. O verde desponta em nossos olhos. A beleza daquele pedaço de paraíso fez valer o esforço e a distância. Um ponto luzidio no escuro da pequena floresta iniciou o nosso romance com a natureza. O espaço era terso. Erguemos nossas tendas entre a comodidade e a segurança do lugar. A musicalidade das águas era acompanhada pelo solfejo dos grilos e outros bichos. A cidade da Gabela tinha ficado a algumas léguas de distâncias. Partimos como bandos de retirante sob o signo da vitória.
Dizem por ai que homem alegre nem sempre é feliz, mas, as cachoeiras do Binga mostraram-nos o contrário, somos alegres na mesma proporção que somos felizes.
GLOSSÁRIO
– Sanga: Pequena vasilha
onde se conserva bebidas.
– Quibeba: cozido de
mandioca com óleo de palma.
NOTA
DO EDITOR DO BLOG
Foi com este texto que o jovem Cláudio
Kimahenda participou e conquistou um concurso relâmpago promovido através
da rede social Facebook, que visava acolher um conto, uma fábula ou uma crónica
de viagem. Inicialmente, O prémio simbólico incluía um exemplar de um dos
livros de Gociante Patissa, promotor do concurso, mais a divulgação do texto
vencedor no blog «Angola, Debates & Ideias, com o endereço www.angodebates.blogspot.com.
Pelo seu exemplo de determinação, vai ganhar um exemplar adicional, estando em
acerto as formas de lhe fazer chegar o troféu. Kimahenda, que reside em Luanda,
é estudante universitário e amante do teatro.
quarta-feira, 5 de agosto de 2015
Crónica | Justino Handanga, um polícia que canta com o povo
Esteve
recentemente no Lobito para ser homenageado pela sua trajectória, desta vez por
iniciativa de uma entidade privada local vocacionada na promoção de eventos, tributo
que se junta deste modo a tantos outros, entre os quais ressalta o Prémio Nacional
de Cultura e Artes, que o distinguiu em 2003. É de Justino Handanga que falamos.
Cantor
e compositor, despontou em 2013 enquanto integrante do projecto «Vozes do
Planalto», cuja divulgação rápida fica a dever-se à pirataria, face ao problema
conjuntural da distribuição. Ao lado de Bessa Teixeira, Viñi-Viñi, Katchiungo,
Sabino Henda, Jacinto Tchipa, para só citar estes, Handanga afirma-se por uma
linha estética que combina a originalidade com um forte sentido de observação e
o carisma, tocando a sensibilidade de milhões de falantes da sua língua
materna, o Umbundu, e não só. «A minha música é nacional; não sou músico do
norte nem do sul», defende Handanga, citado pela Voz da América. As músicas
passam mensagens de amor, moral, civismo e resgate dos valores culturais,
destaca por outro lado a Angop. É já quase uma lenda.
Povoa
no anedotário da província do Huambo uma cena que, se não for verdade, também
não está longe de fazer sentido. Conta-se que determinado comandante policial,
não se sabe se por birra ou por mera casualidade, teria colocado o agente Handanga
em policiamento na via pública a pé, que vulgarmente se diz «polícia do giro». E
até dá para imaginar o filme: uniforme a rigor, cassetete à mão, pistola na
cintura. Só que a cada metro, vinha um fã envolvê-lo num efusivo abraço. É só
por ser o primeiro dia; amanhã já a emoção do público passa, terá pensado já ao
conforto do travesseiro.
Na
manhã seguinte, a formatura e o «giro». Os abraços suplantam o dia anterior,
como se alguém avisasse os fãs do itinerário do agente. Uma euforia daquelas,
não faltando quem lhe pedisse para cantar esta ou aquela música. Faz-se tarde. O
homem reporta ao superior a «incontinência» em que se tornou a tarefa que, de
assegurar a ordem pública, passou a ser a de distribuir abraços aos admiradores.
A solução teria vindo meses mais tarde só com a substituição do comandante. E por
pouco não perdíamos o homem, asfixiado nos abraços dos seus admiradores, passe
algum exagero da nossa parte.
Mesmo
quando o instrumental nos soa algo idêntico ao de um qualquer tema já explorado
dele, o que me parece frequente nos temas mais recentes, Justino Handanga supera-se
a si próprio na forma como capta a vivência da sua gente, a qual sabe como
muito poucos retratar de uma maneira tão instigadora à reflexão social e busca
de soluções em prol das camadas desfavorecidas, sem perder de vista a missão de
recolector da tradição oral Umbundu. E consegue-o com a mestria do contraste,
pois é em ritmo dançante do género «sungura» que a mensagem de
intervenção social perpassa até atingir a sensibilidade de cada um, seja
decisor, seja pacato observador.
Nascido
em Janeiro de 1969 na comuna do Luvemba, do município do Bailundo,
na província do Huambo, Justino Handanga iniciou a cantar em 1980 no «pió-pió»,
programa de actividades extra-escolares da Rádio Nacional de Angola. É autor
dos álbuns «Ocipango Catelinsiwa-Alvo Atingido» (2005) e «Homenagem a Valentim Amões»
(2011). Quanto ao nome Handanga, na tradição Umbundu é atribuído a quem sucede
ao poder real por conta da sua mulher, na falta de descendentes desta para
herdar o trono.
Gociante
Patissa, Benguela, 5 de Agosto de 2015
Diário | O GRANDE AUXÍLIO DO MUHONGO
Quem acompanhou esta manhã a intervenção do
jovem Auxílio Muhongo no programa Roteiro da Manhã, da Rádio Benguela, estação
em que é habitué para análises da vida política do país, ouviu um parecer
técnico, equidistante, sóbrio e essencialmente patriótico. O assunto é
sensível, pois prende-se com a presença em Angola da eurodeputada Ana Gomes e o
inflamar dos discursos de parte a parte, como já se sabe, dado o contexto de
cidadãos (revús, como são apodados)
encarcerados, para quem a portuguesa é acusada de fazer ingerência/militância.
Sem tomar partido, Muhongo, o também docente universitário, usou (quanto a mim
muito bem) o paradigma da «tese-antítese-síntese», regados com lógica e
coerência discursiva. Não se esperava outra coisa de um académico no papel de
fazedor de opinião, aliás, em condições normais. Mas o elogio impõe-se, quanto
mais não seja porque últimamente já não se sabe bem a diferença entre um
académico (com pressuposto científico) e um activista/consultor (com
militância), quando se trata de fazer análises do tipo. Esta é a minha opinião,
pelo que vale o que vale. E daqui desta tribuna, fica o recado de quem por
acaso teve o desprazer de viver a guerra desde a infância, às costas de uma mãe
camponesa e com o pai sempre distante em missões pela pátria: A PAZ (DO
DISCURSO AOS ACTOS) É QUE O (SIMPLES) POVO CHAMA!
Gociante
Patissa, Benguela. 05.08.15
terça-feira, 4 de agosto de 2015
segunda-feira, 3 de agosto de 2015
Os 40 anos do sector da cultura em debate | Fragmentos da intervenção de Ungulani Ba Ka Khosa, escritor moçambicano
“Em
termos de grelha de partida, como país, partimos mal. Partimos muito mal, para
um país novo, na utopia da unicidade, assumidamente como princípio director da
revolução moçambicana, isso de «vamos matar a tribo para
fazer nascer
a nação». Ora, isso, num país com a
diversidade cultural como a nossa, representou um etnocídio. Penso que mais
tarde é que o próprio partido [no poder, FRELIMO] se deu conta do erro grande
com essa utopia da unicidade e considerou reverter o quadro, valorizando a
identidade dos vários grupos que temos.”
(…)
“Em
termos de identidade, ainda não vivemos uma cidadania plena. Isto porquê, meus
senhores? Porque durante estes 40 anos, vivemos como país um discurso político.
E um país que nasce politicamente precisa de se reencontrar culturalmente. Um país
faz-se de vários discursos.”
(…)
“Durante
estes 40 anos, fomos criando cidadãos de primeira, de segunda, de terceira
classe. Não chegamos à realização da cidadania plena. Ainda não tivemos a
coragem de nos olharmos ao espelho e cada um ouvir a sua voz interior.”
(Fragmentos
da intervenção do escritor moçambicano Ungulani Ba Ka Kshosa. Apontamentos de
telespectador do programa «Debate da Nação», emitido pela STV Noticias, na
noite de 03.08.15)
NOTA
DO BLOG ANGODEBATES:
Enquanto
por cá insistimos em que «a colonização em Angola foi diferente de qualquer
outra colonização», como ouvi há dias de uma importantíssima figura da nossa
história cultural – como que a legitimar o perpetuar de determinados padrões
herdados da assimilação (ainda reinantes, da língua à toponímia, por exemplo),
já outros povos, também colonizados por Portugal, discutem, questionam e
assumem questões que lhes intrínsecas. Mas dada a nossa natureza «especial», é
ponto de partida e chegada a ideia de que o Português não é uma língua alheia
em Angola, o que de facto não é, assim como o seu papel de língua de união não
devia negligenciar a necessidade de se investir no estudo, classificação e normatização
de outras de matriz Bantu e pré-Bantu. O sonho de nação, mais do que apoiar-se
na língua, moeda e autoridade comuns, era suposto implicar essencialmente o
conhecimento e a valorização do “outro” que conforma o mosaico dentro do mesmo
espaço. Isso far-se-ia com políticas concretas para visibilizar e estudar
hábitos e costumes (não necessariamente em pequenos documentários televisivos
ou em efemérides) e a transmissão de geração em geração, assegurando bases
antropológicas, sociológicas, enfim. Oficialmente dizemos que tem sido assim,
só que disso não passamos. Tenho dito que a luta contra o tribalismo (que deve
continuar, claro está) criou efeitos colaterais nefastos, sendo um deles a
quebra da ponte do diálogo intercultural entre a cidade e o campo. Urge debater
a Nação! Gociante Patissa,03.08.15
domingo, 2 de agosto de 2015
Reencontro
Hoje, no "caldo" de homenagem a Justino Handanga, da iniciativa
da Casa Rosa Promoções, no Lobito, deu-se, entre vários, um reencontro
agradável com os companheiros Mande (ex-colega de Universidade, uma referência
no exército e no domínio do Francês), Chico Pobre Pobre, hoje referência na
declamação de poesia no Huambo (ex-vizinho no bairro Santa-Cruz, Lobito, e
participante no drama radiofónico que entre 2006-2008 conduzi) e António
Firmino “Tula”, ex-colega do curso básico de jornalismo (no Instituto Camões de
Benguela2005) e amigo, hoje um nome de referência quanto ao jornalismo em
língua nacional Umbundu no grupo Rádio nacional de Angola, além de se dedicar à
música, tendo já um disco publicado.