Noite de domingo, 22 de Março. O telejornal já
leva mais de 45 minutos queimados numa cadência monocórdica. O assunto é ainda
a tragédia das chuvas do Lobito que, nunca é demais lembrar, causou acima de 70
mortes e uma centena de residências destruídas, o que inevitavelmente criou um
contexto de emergência e assistencialismo. Volvidos 11 dias sobre a trágica
noite, o assunto continua actual, considerando que a dor persiste e os produtos
doados, fala-se em mais de 10 mil toneladas, atravessam ainda a dificuldade
mais determinante, que é a distribuição. A experiência angolana em matérias de
ajuda humanitária ensina que a existência de bens de primeira necessidade em si
não resolve, se não houver uma sistematização das várias fontes de recolha.
Neste aspecto, o jornalismo tem também a missão de exercer monitoria para a
transparência que a moral social exige, não fosse o recolhido algo que nasceu
da boa vontade dos cidadãos. E é ali que, a meu ver, a TPA, que neste caso se
assume como a maior máquina de mobilização nacional pela solidariedade, cometeu
uma clamorosa falha de escolha quanto ao que seria o valor da notícia ou, se
quisermos, o ângulo de abordagem. A TPA preferiu ficar-se por um jornalismo
virado para a promoção de vantagens, o que, como é de prever, é um exercício
repetitivo. Como resultado, falaram todos, os empresários, os políticos, os
líderes associativos, os jornalistas da estação, estação esta que não coibiu as
suas estrelas de aparecerem em poses de "selfies" com as fãs, e até
em diferentes mudas de vestuário. Só não falaram os sinistrados. Quais são as
suas dificuldades nesta fase de adaptação, considerando que as famílias foram
assentadas em tendas numa zona até então virgem? Está certo que nos foi dado a
ver o intenso trabalho das autoridades no que concerne à criação de condições
para acesso à água potável e energia eléctrica. Mas há coisas que só mesmo quem
as vive tem legitimidade para as retratar. É esse espaço que tem de ser dado ao
cidadão comum, o que se calhar traria mais audiência do que investir no carisma
do nosso Ernesto Bartolomeu, que ora entrava como repórter, ora como
interlocutor, enfim. Excelências, como será que tem sido tratada a questão da
escolaridade das crianças de famílias afectadas? Quando precisarem de se
deslocar ao centro da cidade, como é que se safam? Haverá linhas de táxis? O
que é que consideram prioritário em termos de bens? É verdade que há quem
resista à ideia de ir para as tendas do Kamulingui, por ser distante dos
mercados e do aparelho administrativo? Neste caso, o que será que defendem tais
cidadãos como sendo a alternativa? Definitivamente, um jornalismo que se
procure especializar em vender vantagens obtém o inverso do que procura,
arrisca-se ao descrédito. Há que rever as estratégias. E como a nossa é a sociedade
das retaliações, vou de peito aberto para as consequências que deste
apontamento advierem. E como vale lembrar o slogan, "O melhor jornalismo de
Angola está aqui na TPA."
Gociante Patissa, Benguela, 23.03.15
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