segunda-feira, 2 de março de 2015

Crónica| Da palavra falada à palavra cantada, o carisma de António Firmino "Tula"


Recebi de oferta o disco de estreia de Antonio Firmino Antonio "Tula", conhecido sobretudo pela sua faceta de locutor de língua Umbundu na Rádio Lobito. O homem completa neste dia 4 de Março mais um ano de vida, contagem que começou em 1977.

A nossa amizade remonta ao ano de 2005, quando nos sentamos na carteira para aprender jornalismo e técnicas de comunicação, no Instituto Camões em Benguela, que albergava o curso básico de quatro meses, promovido pela APHA e respaldado pela Direcção Provincial da Comunicação Social. Na sua terceira temporada, era até então o que de melhor havia (se não mesmo o único) em termos de formação de profissionais do ramo. Residíamos ambos no Lobito e o trajecto era feito na maior parte das vezes em pé de autocarro, destes transportes colectivos e democráticos, que juntam o operário, o funcionário público e a candongueira e respectivos cestos com peixe e hortaliças numa mesma corrida.

Na primeira impressão ao ouvir as músicas do Tula, é impossível dissociar o locutor do cantor, ou não habitassem ambos na mente de um ser comprometido com a valorização da sua cultura através da tradição oral, comprometido com a missão de inverter a tendência decadente da conduta social, enfim, um mensageiro. É nas faixas 08 e 12 que me parece termos o ponto mais alto da criação, onde ritmo, harmonia, colocação de vozes e relevância do conteúdo batem no mesmo compasso.
  
Como quem parte em viagem para explorar novos sonhos e caminhos, olhemos para este primeiro CD como se fosse um percurso de ida, vai faltar o regresso, que é a parte mais confortável da viagem. Sim, o amigo Firmino Tula, com essa estreia, acaba de franquear as portas para um desafio ingente. A persistência, a capacidade de ouvir e permitir-se à auto-crítica, entre outros valores do fazer artístico, é que vão determinar se vinga no ramo da música ou se se vai dar por satisfeito com uma única experiência.

Para terminar, se me permite a brincadeira, gostaria de discordar do título, segundo o qual - cito - «a minha vida mudou». Não, a tua vida está intrinsecamente ligada à vida do teu povo, das suas aspirações e da luta pela preservação e divulgação cultural. Logo, se neste campo ainda não há mudanças encorajadoras, a tua vida também não pode, ó activista social, ter mudado. O caminho é para frente, e vamos a isso. Estou contigo.

Gociante Patissa, Benguela, 2 Março 2015
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