Os transportes colectivos são meios que remetem o cidadão à noção das suas limitações financeiras, pois ao contrário de outras sociedades onde servem para aumentar a qualidade de vida (menos combustão para a camada de ozono, menos gastos nos combustíveis para deslocações rotineiras), na nossa realidade o diferencial recai para a necessidade de conforto.
O clima é quente e húmido no litoral, para já não falar do previsível desnível no sentido de cidadania, já que não há como olhar para o perfil de quem vai na corrida, o que torna complexa a coabitação. Contam ainda os preocupantes índices de acidentes, onde o excesso de velocidade é muitas vezes chamado ao topo da estatística.
Felizmente, consegui adquirir em 2009 o meu primeiro carro, um toyota corola "rabo de pato" que já veio com mais de 200 mil km da Europa. Desde então passei a usar menos frequentemente os transportes colectivos. Vendi-o e tenho outro, o qual tive de encostar para o poupar do lamaçal na periferia.
Eis que noto o quanto desaprendi, fiquei parado no tempo. Os Hiaces do meu tempo de passageiro, os luxuosos comuters, já só servem para rotas muito curtas, abafados pelos "quadradinhos", que ganham no conforto, na velocidade e mais lugares. Houve um toque de modernidade, ar condicionado conforme quiser o dono.
Mesmo os passageiros, em termos comportamentais, exibem outros traços. Há um cada vez maior nível de tolerância ao volume da música (geralmente menor harmônica e maior percussão), cuspida por um rádio adaptado com amplificadores disponíveis em qualquer esquina. E como os equívocos humanos são, nota-se uma verdadeira inversão do princípio cidadão de se passar de objecto a sujeito.
Assim é que muitos clientes, acomodados nos apertos de um banco de mini-autocarro, tomam a liberdade de ouvir músicas dos seus telemóveis ao volume máximo que o fabricante permite, num inconfesso gesto de discordar dos gostos do motorista, o que não seria reprovável se usassem auscultadores. Não, não os usam, e os demais passageiros têm de suportar dois diferentes sons, o que é mais triste, sem emitirem qualquer protesto. É realmente isto que me custa aprender.
No outro dia, vi-me obrigado a interpelar um jovem entre Benguela e Lobito. "Meu mano, já imaginaste se eu e outros passageiros ligássemos as nossas músicas também? Seria uma confusão, não?" Sem emitir uma única palavra, cortou a música. Menos mal. Ontem fiz o mesmo entre Mutamba e Prenda, em Luanda, a uma moça, que acabou por cortar a música também. Em ambos os casos, havia muito mais gente, mas só eu protestei, os demais mantiveram-se indiferentes.
É intrigante isto de não incomodar que usemos da nossa liberdade para alienar a de outrem. Enfim, se calhar está na hora de garantir o meu lugar no beiral, devo estar velho sem dar por isso.
Gociante Patissa, Luanda, 12.03.15
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