sábado, 31 de janeiro de 2015
sexta-feira, 30 de janeiro de 2015
Citação
«À porta de um escritor nunca se bate, porque
nunca se sabe a hora em que ele está escrevendo uma página eterna» (Baltasar
Lopes, in «Chiquinho», Portugal, 1984)
quinta-feira, 29 de janeiro de 2015
Ensaio| A Mulher e o Sonho no Papel de Ligantes em «Rosas & Munhungo», de João Tala
«Não há poema em si, mas em mim ou em ti», como bem defendia o poeta mexicano
Octávio Paz (1914-1998). E é nesta aura libertária que partilhamos impressões sobre os contos
de João Tala (Malanje, 1959), do seu livro Rosas
& Munhungo (UEA[1],
2009).
Médico, Tala é autor de A Forma dos Desejos (poesia, 1997, prémio 1.º Livro da UEA, 1997, da qual é membro, e o 1.º
lugar dos Jogos Florais de Caxinde, 1999); O
gasto da semente (poesia, 2000); A
forma dos desejos II (poesia, 2003); Os
Dias e os Tumultos (prosa, 2004); A
Victória é uma Ilusão de Filósofos e Loucos (poesia, 2004); Lugar Assim (poesia, 2004); Surreambulando (prosa, 2007) e Forno Feminino (poesia, 2010).
Em
forma de pequenos estudos de caso, temos uma colectânea de 11 contos, sobre 11
mulheres marcantes, ao longo de 105 páginas. Da «Passarinheira» (que dá título
ao conto de abertura) à Ana Ya Kimbi (personagem do conto «Ela era uma
delícia», o último do livro), o leitor anda pela ténue linha entre o real e o
imaginário, com aspectos que nos remetem ao realismo fantástico. O construtor
socorre-se essencialmente de dois elementos, os quais funcionam como «ligantes»,
num paralelismo a obras de construção civil: a mulher e o sonho. E porquê? Ora,
«ligante é a expressão utilizada para
referir materiais que possuem capacidade de aglutinação de outros,
habitualmente sob a forma de partículas, e de ganhar coesão tornando-se num
material sólido[2]».
Temos
um narrador presente, ora protagonista, ora testemunha. «Encontrara-a num qualquer dia, postada no
subúrbio da minha infância, depois que começava a conduzir um caminho pelo qual
eu crescia (…) Cada vez que buscava ser homem, parecia recuar para essa memória
infantil que com frequência me atraía a ela.» (Pág. 11)
Só
na página 30 é revelado em discreta nota de rodapé o significado de «munhungo»,
tesouro até então velado para leitores que não dominassem o termo da língua
Kimbundu. Afinal, temos um contraste entre a flor (que simboliza o universo do
belo, do terno, do feminino) e a nódoa em «munhungo» (libertinagem,
prostituição).
Os
contos são relativamente curtos, a narração dinâmica. A linguagem é
heterogénea, com o notável cuidado em não falsear as falas dos personagens (o que
implicaria um registo de diálogo muito polido), sem no entanto descurar da
alegoria. Há mesmo referência a alguém que agia «atoamente». Como defende Roman
Jakobson (1983, p. 487), citado em António, Jorge[3],
«as funções estéticas não se limitam ao
trabalho poético; o discurso de um orador, a conversação corriqueira, os
artigos de jornal (…) podem conter considerações estéticas, expressar uma
função estética e frequentemente lidam com as palavras valorizando-as em si,
para além de sua função referencial.»
Eis uma amostra
de como o autor passeia com classe pela poesia, servida aos entrecortes ao
longo da narrativa: «A passarinheira
namorava os homens, aos quais propunha que lhe comprassem os pássaros. Não eram
visivelmente pássaros, mas indícios de pássaros. Para quem lhe comprasse um catuitui, punha-se a gemer formas de um chilreio que
parecia balbucios de tal ave; para quem comprasse um pardal, inventava o choro
amargo de um pardal fisgado (…) Decidira ganhar desse modo a vida, fazendo
justiça aos elogios – sempre alguém lhe descobre um pássaro na garganta: canta
como um passarinho, mulher; oh, não canta, chilreia.» (Pág15). Ou a fina ironia no retrato da
personagem no conto Ana Rita: «Encontrei-a
sobre o peso dos seus anos arrastando um corpo magro. Provavelmente nada mais
lhe dói.» (Pág.70)
Os
contos são ligados pela guerra como eixo temático, como indica a voz do
narrador: «Estávamos no ano de 1991, no
finalzinho de uma qualquer guerra, e eu começava a enriquecer de dívidas –
ganhava o que não podia pagar – vendia o patrimônio naquele cargo que ocupava e
não havia mais nada para justificar, senão depositar as culpas nos
acontecimentos que terminaram varrendo a minha época. Como hoje, lá também a
culpa era sempre do inimigo – há que inventá-los muito mais para não cair.» (Pág.29)
Pela negativa há
uma ou outra gralha, o que revela algum desleixo na revisão, sem comprometer o
valor da obra. Quanto à função política do género conto, o livro é um sugestivo
apelo à reconstituição do tecido social, o que se resume aqui: «Inquietante, começo a perceber que
temos de ir à busca daquilo que esquecemos em nós próprios, aquilo que deixamos
nas sanzalas e nos caminhos da pátria, quando a guerra começou com seus
fagócitos de chamas e seu destratamento às origens do povo.» (Pág. 54)
É
no conto Rebeca Nzoji (Pág. 47) que o sonho se
torna tangível, contrariando a ciência que o vê como ocorrência efémera e
abstracta: «Nzoji tinha uma estranha mania de
ficar desarrumando noites, pulando de sonho em sonho como uma sonâmbula. Irrequieta
mas nada grave, não fosse o mau hábito que tinha de buscar água de noite, no
pequeno rio que, como ela própria dizia, corria entre nós dois. Isto quer dizer
que os seus sonhos eram de mentira ou, pelo menos, não tinham a consistência
dos de uma mulher que dorme porque entre nós pouco mais ou menos havia do que
laços difíceis».
E não é tudo. «Em
1969, Ana Rita abandonava os estudos para se casar. O noivo era um militar do
exército colonial (…) Naquela altura, Ana completaria dezoito anos, tão moça e
arrumadinha, se lhe notava o sonho na lentidão dos passos – sabe aquela
adolescência no sono de mulher?» (Pág. 69) O sonho é ainda uma fuga à crueldade
da vida. «O
sonho repetiu-se, por mais estranho que pareça porque Josefa Confissão, afinal,
virtualmente amava-me e acreditava que um dia na realidade da vida, pudesse
ainda agarrar-me e ser definitivamente dona da minha voz.» (Pág. 26)
O conflito entre «Rosas & Munhungo» é acentuado em dois retratos de
sobrevivência: (a) «Contam-me que Amália Tchiquete, para comer vende
histórias de sua vida às novas prostitutas (…). São formas de passamentos:
retalhos do tempo morto e a morte do ego». (Pág.34) (b) «Aquela mulher fez da sua guerra uma poesia, uma intensa vida de uma Luanda
delirante com a paz nos comícios continuados na zunga. E no auge daqueles dias
saídos da guerra, aquela mulher recorda seus lutos.» (Pág
104)
Nesta
obra bem angolana, João Tala sai-se como um pedreiro que tão bem se socorre de
dois ligantes metafóricos, o sonho e a mulher, umas vezes rosas, outras
munhungo.
Gociante
Patissa, Benguela, 26 Janeiro 2015
[1] União dos Escritores angolanos
[2] Augusto Gomes,
A. P. Ferreira Pinto, J. Bessa Pinto, 2013, p.1. In «Gesso e Cal de
Construção». Instituto Superior Técnico. Lisboa, Portugal.
[3] António, Jorge Luis 2004, p.11.
In «Ciência, Arte e Metáfora na poesia de Augusto dos Anjos». Navegar Editora.
São Paulo, Brasil.
quarta-feira, 28 de janeiro de 2015
terça-feira, 27 de janeiro de 2015
Diário| Ou isso ou a dupla nacionalidade
1.
Cartão de cidadão da pessoa que vai elaborar a carta de chamada
2. Fotocópia do passaporte do interessado
3. Consultar a vaga para a entrevista com o Sr. Cônsul, que geralmente só surge
um mês mais tarde, mais ou menos.
4. Juntar fotografias tipo passe
5. Carta de chamada
6. Cartão de serviço do interessado
7. Extracto bancário
8. Declaração de serviço a indicar o vínculo e a
tabela salarial, como se já fosse pouco agora andarmos a escancarar a miséria
em forma de trocados que temos na conta bancária.
9. Bilhete de passagem, que por acaso até não sai
assim ao preço do tomate da horta mais próxima
10. Passaporte
11. Cartão de Vacina Internacional
12. Esperar oito dias úteis para a saída, ou não,
do visto.
Deve
haver algo menos chato com que nos ocuparmos na véspera das férias.
Definitivamente, a minha alma de turista não se encaixa nos excessos de
burocracia, seja qual for o país. Vou mais é pastar para outra freguesia.
Sugerindo leituras| O ÚLTIMO FEITICEIRO, de Isaquiel Cori
Jornalista e membro da União
Dos Escritores Angolanos, Isaquiel
Cori tinha 35 anos (2003)
quando publicou este livro, exactamente a mesma idade que eu tinha (volvidos 11
anos) quando publiquei o livro de contos FÁTUSSENGÓLA, O HOMEM DO RÁDIO QUE
ESPALHAVA DÚVIDAS (2014), em relação ao qual ele fez uma agradável recensão crítica
via Jornal Cultura. Foi precisamente por esta coincidência de idade cronológica
que decidi comprar o exemplar do seu livro O ÚLTIMO FEITICEIRO, para perceber que inquietações o moviam. E foi realmente bom ler a
sua abordagem de temas estruturantes como o pós-guerra e a sempre complexa
questão da reintegração social e a consequente degeneração de bons costumes.
Valiosa ainda é a preocupação de trazer para o papel a questão do poder
sobrenatural, não pela óptica maniqueísta que rotula a "magia negra",
mas por uma visão exógena da tradição africana Bantu, retratando cenas e
debatendo o assunto por via dos personagens, não cedendo à tentação do
exotismo. Por tudo isto, recomendo o livro, que só custa 650 Kz na livraria Chá
de Caxinde, Mutamba, em Luanda. Boa leitura
Estou a gostar de ler e recomendo para quem se interessa em crónicas
É pena não poder partilhar textos nem fragmentos do livro, em obediência à proibição expressa no espaço dos direitos editoriais. Teria de pedir autorização, o que por enquanto não posso fazer, por outra boa razão.
domingo, 25 de janeiro de 2015
ACTUALIZAÇÃO: De volta ao KERO de Benguela para anunciar a disponibilidade de mais alguns exemplares do meu livro de contos FÁTUSSENGOLA, O HOMEM DO RÁDIO QUE ESPALHAVA DÚVIDAS. Encontram-se na estante da zona de mobiliário de escritório, quase dispersados da banca genérica dos livros, o que obriga o cliente a procurar mais do que era suposto. O preço é mesmo quinhentos kwanzas. Bom domingo.
quinta-feira, 22 de janeiro de 2015
Divagações pela tradição oral Umbundu: OLUVALE
Olhando para a morfologia do termo, temos
"O" (artigo) mais "luvale"
(poligamia), parecendo o fonema estar mais próximo de bigamia, tendo em conta a
raiz "val". Na língua Umbundu, o número dois é "vivali". O que se pode reter é que, ao contrário da
estrutura na língua portuguesa, em Umbundu não há duas categorias, oluvale é genérico.
Assim, quando
ouvimos dizer que "ngandi okwele
oluvale", a única certeza que temos na interpretação é que determinada
pessoa tem mais de uma mulher. Caso a curiosidade se desperte, a pergunta
seria: "oluvale wakãi vañami"
(é poligamia de quantas esposas)? Não nos interessa a perspectiva moral da
poligamia, que nos levaria ao velho conflito entre o direito costumeiro (bantu)
e o direito positivo (ocidental).
Por falar nisso, parece que os nossos
juristas têm o grande desafio de acabar com a hipocrisia formal, não poucas
vezes mediatizada em notas fúnebres: "o malogrado deixa uma viúva e X
filhos", quando aos olhos de todo o mundo estão prostradas duas ou mais
senhoras enlutadas e com lares devidamente legitimados pelo falecido, família e
sociedade.
A poligamia, independentemente das suas implicações sociais,
sobretudo para a vertente de sobrevivência do agregado e/ou herdeiros, é
culturalmente direito consagrado ao homem africano Bantu e até pré-Bantu, a
exemplo dos Vatwa. No centro Urbano, a sua prática enfrenta também um travão de
cariz moral religioso.
Terminamos com a frase de um ancião, que reage ao pedido
de um familiar no sentido de organizar a praxe de ir "legalizar" a
sua segunda relação.
"Etu oluvale ka tuwunyãle; pwãi ka tulombalomba
luvali" (nós não somos contra a
poligamia; mas não costumamos fazer alambamento por mais de uma vez).
Neste caso, como
interpretar a posição do ancião?
segunda-feira, 19 de janeiro de 2015
Foi uma agradável surpresa ter sido chamado à capa do Jornal Cultura, segunda edição de 2015 (19 Jan - 01 Fev). A matéria é desenvolvida nas páginas 16-17 com assinatura do jornalista Isaquiel Cori, concretamente uma recensão crítica aos livros FÁTUSSENGÓLA, O HOMEM DO RÁDIO QUE ESPALHAVA DÚVIDAS (conjunto de contos de minha autoria), e HUMANUS (poemário de Mbangula Katúmua). A matéria termina com entrevista a ambos os autores
DOIS PROJECTOS LITERÁRIOS ORIUNDOS DE BENGUELA - Isaquiel Cori (Texto)
Os escritores Gociante Patissa e M’Bangula Katúmua partilham, ao menos,
três coisas: são naturais de Benguela, nasceram no período pós-colonial e a
existência de ambos decorreu em grande parte nos dias e anos tumultuosos da
guerra de má memória. Os livros “Fátussengóla, o homem do rádio que espalhava
dúvidas”, do primeiro, e “Humanus”, do segundo, aparecem juntos na colecção
Novos Autores, editada pelo Grecima, a par de nove de outros tantos autores.
“Fátussengóla, o homem do rádio que espalhava dúvidas” é uma colectânea de
14 contos ambientados em localidades diversas da província de Benguela, do
interior ao litoral, que resgatam da memória da infância e adolescência do
autor toda uma galeria de personagens e situações marcantes, seja pelo lado do
insólito ou dos afectos.
Gociante Patissa na verdade não é um autor de primeira viagem. Publicou em
2008 “Consulado do vazio”, poesia, em 2010 “A última ouvinte”, contos, em 2013
“Não tem pernas o tempo”, novela, e em 2014 “Guardanapo de papel”, poesia.
Trata-se de um autor empenhado em apurar a sua própria voz, notando-se na
sua escrita a fuga à facilidade e o evitar dos trilhos há muito batidos.
Atente-se ao modo de construção deste parágrafo do conto “Minha mãe é hortelã”,
em que além das imagens profundamente originais o leitor pode à vontade
inverter a ordem com que as frases se apresentam sem afectar, contudo, a
coerência do discurso narrativo: “Ele, que não era de andar por aí a
distribuir socos e pontapés, abraçou tal via. Era homem já quase feito, de caroço
no mamilo e uma barba que não se lhe podia confundir com simples pêlos de calor
do funji. Mesmo a catinga do sovaco dele anunciava os ingredientes prontos para
dar bebés. Quem lhe provasse o sabor da surra já não voltava a gozar.”
Retenha-se esta outra preciosidade, a abertura do conto “No reino dos
rascunhos”: “O velho estava velho, muito velho, logo doente. Para ser
confirmado inerte, só lhe faltava parar o fôlego. Vendo bem, aquilo até podia
ter outro nome, respirar é que não era.” Como não há bela sem senão, a
escrita de Patissa às vezes denota um excessivo “cuidado” em conformar-se às
normas, às regras estabelecidas do “bem falar português”, sacrificando a
emergência daquilo que podia ser considerada a sua própria linguagem, escorada
nos interstícios mais íntimos do seu substracto cultural benguelense. “Havia um
cão no quintal em que em tempos fui morar…” in “A estrela que não voltei a
ter”. “… só não tendo o dono do alheio sucedido graças ao gradeamento interior
aplicado poucas semanas antes da investida”, in “Gestão de vazios”.
Patissa, note-se, neste mesmo livro demonstra um grande domínio da
sócio-culturalidade umbundo, fazendo recurso a palavras e provérbios da
região. Autor de imenso potencial criativo, Patissa tem o dom do olhar, da
captação das singularidades aparentemente invisíveis e insuspeitas das
situações e das personalidades.
O seu conto mais significativo é o que dá título ao livro: “Fátussengóla, o
homem do rádio que espalhava dúvidas”. É uma narrativa digna de figurar na mais
selecta das antologias de literatura angolana. É a biografia de uma personagem
tão singular na ficção como na vida. (Aliás, “… a profissão de biografista
independente faliu, como hoje vemos”). Fátussengóla, de nome verdadeiro
Virgulino Kaendangongo, “que na língua umbundo significa eterno sofredor”, é um
personagem da estirpe de um Mestre Tamoda de Uanhenga Xitu, com o qual partilha
o estatuto de orador, as poses e o gosto pela mais gratuita verborreia.
Fátussengóla ganha imediatamente a simpatia e a compaixão do leitor pela forma
soberba como o autor o apresenta, seja descritivamente, seja pelo desdobrar dos
diálogos. E o final da estória encerra tanta preciosidade como o tesouro que nele
é revelado.
Em causa o ser humano
Humanus, de Mbangula Katúmua, é um conjunto de cinquenta poemas sóbrios,
reflexivos, escritos na forma de sonetos, essa maneira tão antiga e clássica de
poemar (duas quadras seguidas de dois tercetos). E Katúmua vai tão longe no seu
exercício de preciosismo formal que todos os seus poemas, rigorosamente, são
rimados. “Das velhas profecias que nos liam outrora / Agora veio um velho
cancioneiro hegeliano / Uma espécie de novo cardápio do contra / Que encerra
teorias de combate miliciano // O inimigo agora é outro / São os potes de luz /
O nosso mastro / É a nossa própria voz // Eis que vos apelo / Gritemos bem alto
/ Até que nos solte o pêlo // Sobre estas laudas ninguém dança / Nem mesmo no
dia em que comemorarmos / A nossa morte sobre a ponta de uma lança”, in “15”.
Os poemas de “Humanus” não devem ser lidos uma única vez. Nem,
necessariamente, na ordem proposta pelo autor. A uma primeira leitura o
formalismo preciosista e até mesmo academicista dos poemas ressoa a algo
decadente, perfeitamente démodé. Mas tão logo nos concentramos mais na leitura
damo-nos conta que, afinal, a fórmula rígida adoptada pelo autor contém
autênticos vulcões de emoções e sentimentos a respeito do mundo e da vida.
“A noite não chega a tempo / De contar os sonhos das gentes / Enquanto
isso, ouvem-se vozes do topo / Para anestesiar os fétidos corpos delirantes //
Vozes cansadas, sinfonias de morte / Ruas estreitas, passos apressados / Na
paisagem agreste / Sonhos condenados // Na desnuda avenida daqui / Que
ferozmente colapsa / Como os discursos do Maquis // Mas, quem ouviu não
esqueceu / Os caminhos, a dor que perpassa / As entranhas da pátria, e o dia
que nasceu”, in “28”.O sujeito poético em vários poemas de “Humanus” parece
desapegado da vida, situando-se numa colina qualquer a partir da qual observa a
cena humana. E se fala de coisas que já viveu, recorda outras que poderia ter
vivido. No limbo entre o sonho e a realidade, entre o celeste e o terrestre,
ele confessa-se: “Suspendo-me nos píncaros dos sonhos / Donde me chega
homofóbica melodia / E vejo no meu irmão um marciano”.
Ao contrário do seu coetâneo Gociante Patissa, em que as marcas da sua
“benguelensidade” estão em todos os quadrantes dos seus textos (na geografia,
na linguagem e na filosofia proverbial e até na temporalidade), o poeta de
“Humanus” é um ser dilacerado na sua subjectividade que se dirige ao homem
comum, desarvorado do seu lugar e até do seu tempo.
“Ainda que farto de ti, ó ser distante / És o caminho que busco e que sigo
/ Longe da consumição do inimigo / Contemplo de perto luz reluzente // Nos pés
fartos de caminhar / Tenho feridas e bolhas de água / Para de todos saciar essa
inócua / Sede de infinito clarear // Caminhantes de uma terra longínqua / Somos
todos o húmus desta terra / De ventre esviscerado // Ninguém sabe se quando
enterra / Uma sôfrega lágrima inócua / Constrói um destino obliterado”.
ENTREVISTA A GOCIANTE PATISSA E M’BANGULA KATÚMUA: O PAÍS SOB O CRIVO DE
JOVENS ESCRITORES
Na sequência da leitura dos respectivos livros, “Fátussengóla, o homem do
rádio que lançava dúvidas” e “Humanus”, o jornal Cultura foi à conversa com
Gociante Patissa e M’Bangula Katúmua. Ambos falam das suas origens enquanto
autores e da assumpção ou não da identidade benguelense. Entre eles é
consensual a ideia do peso marcante que a guerra teve nas suas vidas e, de
certo modo, partilham um olhar optimista a respeito do futuro do país.
Jornal Cultura - Que circunstâncias, ou pessoas, os despertaram para a
escrita?
Gociante Patissa - A literatura é
apenas a extensão de uma herança transmitida no convívio familiar, quase sempre
alargada, como permite a proximidade africana. Apesar de ter deixado o meio
rural aos sete anos, trouxe dali uma riqueza enorme, quer aquela mais proseada,
ouvida de contos, fábulas e canções vividas no campo de que fomos arrancados,
quer aquela mais fragmentada, vestida de parábolas e provérbios, o que de resto
conseguimos resgatar e irrigar na cidade.
Mbangula Katumua |
M´Bangula Katúmua - O meu envolvimento com
a escrita confunde-se muito com a minha socialização política.
Comecei, na verdade, de forma não intencional. Apenas declamava os poemas de
Agostinho Neto nas actividades do INAC e OPA. Na altura tinha cerca de 14 anos.
Depois continuei na JMPLA e quando fui para a Brigada Jovem de Literatura é
que, aos poucos, comecei a ter a real noção do mundo literário. Porém a não
intencionalidade do meu envolvimento com a literatura viria a manter-se nos
anos seguintes. Ao longo deste meu breve percurso tive a sorte de cruzar com
Nuno de Menezes, Raul David. Eles ensinaram-me coisas, cada um a seu jeito.
Tenho dificuldade de identificar, com precisão, as circunstâncias que me
despertaram para a escrita, porém a minha passagem por estas organizações
sociais, particularmente a JMPLA e a Brigada Jovem de Literatura foram
fundamentais para a minha forja. Lemos muito dos autores da BJLA, nos livros
que Armindo Sardinha, Fernando Andrade, Nando Jordão, Paula Russa, Victor João,
Nelo Santos nos davam. Lemos John Bella, Kudijimbi, Limpinho, Frederico Ningi,
Costa Andrade, Aires de Almeida Santos, Alda Lara, Agostinho Neto. Seminalmente
falando, é daí que viemos...
JC - Identitariamente vocês assumem-se como escritores de Benguela, com
tudo o que de simbólico ou positivo isso implica, ou consideram-se mais
escritores voltados para o universal, sem um grande apegamento local?
GP - Benguela como tal para mim nada
significa. E sinto que não tem o meu papel significado algum para Benguela, no
seu conceito mais territorial e administrativo. Na verdade, a literatura, pelo seu
lado formal, pouco me diz, se não for um veículo de contributo para o diálogo
intercultural. Eu sou um ocimbundu que tem a missão de contribuir para que
(parafraseando o escritor espanhol António Colina) não desapareçamos enquanto
entes culturais. A universalidade só me interessa se ela me puder ouvir, se ela
se reivindicar como encontro de identidades.
Literatura angolana em Portugal| A editora NósSomos tem para venda e entrega imediata os seguintes títulos, ao preço de 3 euros:
- FOGO& RITMO - Agostinho Neto,
- MEU AMOR DA RUA ONZE - Aires de Almeida Santos,
- DESEJOS DE AMINATA - Lopito Feijoo,
- MEU AMOR DA RUA ONZE - Aires de Almeida Santos,
- DESEJOS DE AMINATA - Lopito Feijoo,
- A CIGARRA DESCONTENTE - António Cardoso,
- 8:2= 23 - David Capelenguela,
- GUARDANAPO DE PAPEL - Gociante Patissa,
- CONTRAFÉ - Carlos Ferreira.
Pedidos para os emails etutanu@gmail.com ou monteiroferreira@hotmail.com
Também podem ser feitos para Rua Queiroz Ribeiro nºs 11/15 - 4920-289 Vila Nova de Cerveira ou pelo telefone 251795115.
Divulguem, por favor.
Divulguem, por favor.
Grande entrevista ao portal REDE ANGOLA| “É preciso abrir o espaço público aos cidadãos”, Gociante Patissa analisa o estado da comunicação social fora de Luanda e fala sobre a importância das línguas angolanas.
Miguel Gomes (Texto), José Alves(Fotos) - Daniel Gociante Patissa nasceu na comuna
do Monte-Belo, município do Bocoio, província de Benguela, em Dezembro de 1978.
Tem licenciatura em Linguística, especialidade de Inglês, pelo Instituto
Superior de Ciências da Educação da Universidade Katyavala Bwila (ex-Agostinho
Neto).
É membro efectivo da União dos
Escritores Angolanos. Foi o laureado do Prémio Provincial de Benguela de
Cultura e Artes 2012, na categoria de Investigação em Ciências Sociais e
Humanas, “pelo seu contributo na divulgação da língua local umbundu, na
perspectiva das tradições orais, através do conto e novas tecnologias de
informação e comunicação”.
Já editou cinco livros: Consulado do Vazio (poesia), A Última
Ouvinte (contos), Não Tem Pernas o Tempo (novela),Guardanapo de Papel (poesia), e Fátussengóla, O Homem do Rádio que Espalhava Dúvidas (contos). Para além da
actividade como escritor, Patissa é autor de dois blogues: Ombembwa Angola
(http://ombembwa.blogspot.com/) e Angola, Debates e Ideias
(http://angodebates.blogspot.com/).
Durante a conversa, Gociante Patissa
analisou o estado da comunicação social em Benguela, falou sobre a importância
das línguas angolanas e das dificuldades de afirmação num contexto dominado
pelo português. E revoltou-se com a recente perda do k, y e w.
O Gociante Patissa tem um blogue, foi radialista, tem um percurso na
comunicação social e também fora desse meio. Gosta de escrever. De que forma
analisa a história do debate de ideias na sociedade angolana?
Não sei se a maturidade é isso, mas sinto que vai havendo um decréscimo em termos de espaço para discussão de ideias. No tempo de guerra havia mais. Falo isso com algum conhecimento porque tive dois programas de rádio, que promoviam debates. No tempo de guerra discutia-se um bocadinho mais, mesmo reconhecendo que por vezes se chegava ao excesso. Agora há a preocupação em ter um discurso comedido. Por aquilo que se vai ouvindo, porque também oiço a opinião dos outros, no sentido da pluralidade, os debates promovidos pela Tv Zimbo vão se destacando pela positiva. Mas o nível de discussão de ideias ainda não é o ideal. A minha grande preocupação é que caminhamos para um processo de exclusão na comunicação social.
Não sei se a maturidade é isso, mas sinto que vai havendo um decréscimo em termos de espaço para discussão de ideias. No tempo de guerra havia mais. Falo isso com algum conhecimento porque tive dois programas de rádio, que promoviam debates. No tempo de guerra discutia-se um bocadinho mais, mesmo reconhecendo que por vezes se chegava ao excesso. Agora há a preocupação em ter um discurso comedido. Por aquilo que se vai ouvindo, porque também oiço a opinião dos outros, no sentido da pluralidade, os debates promovidos pela Tv Zimbo vão se destacando pela positiva. Mas o nível de discussão de ideias ainda não é o ideal. A minha grande preocupação é que caminhamos para um processo de exclusão na comunicação social.
Falta uma perspectiva abrangente do país e das pessoas?
Sim, e mesmo quando há debates na rádio
só vai ligar para participar quem tem Kz 900 para comprar saldo. Não sei qual é
a alternativa que devemos criar. Sou auto-didacta em termos de comunicação
social. Há muitos autores que defendem que a rádio deve reflectir a vivência da
comunidade. Não é que se defenda a banalidade. Não. Mas em termos de método
deve ser assim.
Um pouco à imagem de um velho jargão: o jornalismo também serve para dar
voz a quem não tem voz.
Naturalmente. Acho até que os canais de
telenovelas só têm o impacto que têm porque uma boa camada da população não se
sente representada nos programas oficiais.
Na sua opinião, revêem-se melhor nas historietas ficcionadas?
Não só, também precisam de se ocupar de
alguma forma. As pessoas têm de alimentar o seu imaginário. E a novela faz
isso. Tem de se fazer um trabalho mais profundo, respeitando o princípio de que
a própria comunicação é uma arte.
Os bons escritores contam histórias ricas, falam sobre as pessoas, são
humanos. Jornalismo não é só isso mas também precisa dessa perspectiva. Estamos
a falhar nalguma coisa?
É possível. Depois há também a questão
de não haver estudos de audiência. Os que existem são pequenos e mal
divulgados. Também não há concorrência no sector da comunicação social, as
linhas editoriais são fracas, às vezes dá a ideia que não faz diferença ter
bons programas. Não sei bem o que podemos fazer mas é preciso chegar um
bocadinho mais perto das pessoas. Não no sentido de apenas trazer, mas de
colher também. Costumo sempre dizer que (e agora já temos números
oficiais) vivem em Luanda 6,5 milhões de pessoas e, se calhar, num
fim-de-semana não se vendem mais de 50 mil jornais nas bancas e nas ruas da
cidade. São números mesmo muito baixos.
Que conclusão podemos tirar daqui? As pessoas não compram porque não se
revêem no que é publicado?
É preciso recuar e entender a vertente
antropológica. A população angolana é maioritariamente Bantu, com uma forte
tradição oral. Os hábitos de leitura são ainda um desafio. Se já temos um povo
que por essência tende a ler pouco, e se depois a história que se retrata é do
outro, parece haver pouca proximidade afectiva. A comunicação social tanto é
carrasco, como é a vítima também. É um círculo vicioso. Os jornais acabarão por
ser os mais prejudicados em termos comerciais. Uma vez estava a falar com um
livreiro, o senhor Grilo, que tem um espaço no Mercado de Benguela. Havia lá um
livro, uma compilação de anedotas, e perguntei: “Então os nosso livros?”. “As vendas
estão um bocadinho fracas”, respondeu. Voltei à carga: “E o livro de anedotas?”
“Também está a apanhar poeira”.
sábado, 17 de janeiro de 2015
sexta-feira, 16 de janeiro de 2015
Não perca a oportunidade de passar pelo KERO de Benguela e adquirir ao preço de 500 Kz livros da colecção 11 clássicos e da colecção Novos Autores, do programa Ler Angola. Infelizmente, estão esgotados os exemplares de FÁTUSSENGÓLA, O HOMEM DO RÁDIO QUE ESPALHAVA DÚVIDAS. Quanto a este, só mesmo depois que o stock estiver reforçado. Foto feita há instantes
QUER GANHAR UMA SESSÃO FOTOGRÁFICA? SÓ DEPENDE DE SI. ACEITE O DESAFIO
1. Justificação
Em função da crescente solicitação de pessoas amigas para uma oportunidade de lhes dedicarmos uma sessão fotográfica, book ou coisa do gênero, surgiu a ideia de juntar, porque de artes se trata, o gosto pela fotografia ao gosto pela leitura. O desafio consiste em garantir um pacote de pelo menos 35 fotos, que serão disponibilizadas ao concorrente apurado quer na versão digital, quer em papel 10x15cm, despesa a cargo da família Gociante Patissa. O requisito único ao candidato ou candidata é ler e apresentar o resumo (2 páginas no máximo) com as suas impressões de pelo menos um destes livros: CONSULADO DO VAZIO; A ÚLTIMA OUVINTE; NÃO TEM PERNAS O TEMPO; FÁTUSSENGOLA, O HOMEM DO RÁDIO QUE ESPALHAVA DÚVIDAS. De realçar que não se pretende caçar elogios, pelo que os candidatos podem manifestar livremente as suas ilações literárias e sugestões.
quinta-feira, 15 de janeiro de 2015
Citação
"Eu costumo dizer os cantores de outras
províncias, porque, às vezes, parece que só geograficamente é que somos 18
províncias, mas não, é preciso lembrar que culturalmente também somos 18
províncias. Então, por vezes corremos o risco de termos vários anos de carreira
e, quando chegamos a Luanda, sermos considerados ainda "novos
talentos" - (Edna Mateia, cantora residente no Huambo, em etrevista ao
programa «Janela berta», TPA, Luanda, 15.01.15)
quarta-feira, 14 de janeiro de 2015
terça-feira, 13 de janeiro de 2015
Diário| Por um jornalismo cidadão
Quando uma notícia surge com destaque pelo
facto de a vítima ser parente desta ou daquela figura, fica-se com a impressão
de que, diante da justiça, quem não tiver uma entidade na família parte logo na
condição de desamparado. Recentemente, no que ao nosso meio diz respeito, o
exemplo é o da queixa de uma cidadã por agressão envolvendo militares da
academia do Bairro da Luz, no Lobito. O destaque foi pelo ângulo de ser filha
de um antigo deputado. Somos a
condenar as agressões na relação entre os cidadãos e as forças da ordem, e é
legítimo esperar que se investigue para se apurarem as responsabilidades. Mas,
neste caso, e da maneira como a imprensa colocou as coisas, a agressão doeria
menos se fosse sobre a filha de camponês ou de um professor anónimo? Ora, o
jornalismo, a meu ver, tem uma obrigação até cívica de não reproduzir tais
estereótipos. Ainda nesta senda, em tempos vi uma matéria na imprensa
brasileira, onde toda a notícia e consequente reportagem do cortejo era pelo
ângulo de "o irmão do cantor fulano ter falecido" (no caso, vítima de
paragem cardíaca após consumir bebidas alegadamente energéticas). Rara era a
vez em que se pronunciava o nome do finado. Partindo do princípio de que somos
todos iguais perante a lei, julgo que o jornalismo tem a obrigação moral de
destacar "o quê" (facto) e "quem" (vítima/protagonista),
evitando ancorar-se no parentesco, que podia bem surgir como detalhe apenas e
não valor da notícia, sob pena de andarmos perto do sensacionalismo. Um cidadão
devia valer pelo nome próprio, pelos seus actos, não pelo sobrenome. Ou não?
Gociante
Patissa, Luanda, 13.01.15
A quem possa talvez interessar
É escusado pedir-me amizade no Facebook usando
um perfil falso, se a intenção é apenas (como diria o português) «cuscar» o que
penso e/ou digo. Nada tenho a esconder e ainda me guio pela minha própria
agenda, cabeça e boca. Portanto, aqui, what you see is what you get.
(do arquivi) Oratura: A lenda do soma [soberano] Ndumba
“Otembo
yaviluka, Soma Ndumba vowambatisa ewe; otala tala oloneke okuviluka”, em português, “mudaram-se os tempos,
até o Soberano Ndumba foi forçado a carregar pedra". É essa a essência da canção
que satiriza e lendária figura do soberano Ndumba, uma lenda de resistência
africana durante a colonização portuguesa, no princípio do século vinte. Para ser
mais preciso, como se isso lá fosse possível em lendas, reportamo-nos
à década de 1920, na região centro e sul, da “nação Ovimbundu”.
Nas longas caminhadas, Ndumba
revelava um inusitado sentido de exigência. Imagine-se, como contam, que num
perímetro de pelo menos 40 quilómetros pernoitava umas cinco vezes. Mas
para quê? Seria coxo? A isso não sei responder, nem o sabem as fontes. Podia ser apenas pelas mordomias que exigia aos anfitriões em cada aldeia (na ida e no caminho de volta). Perdia-se
a conta das galinhas que chegavam à sua mesa (porque, como não devia deixar de
ser, caminhava acompanhado).
segunda-feira, 12 de janeiro de 2015
domingo, 11 de janeiro de 2015
sábado, 10 de janeiro de 2015
Diário| Palavrinha tardia pelo mestre Octávio Lopes
quinta-feira, 8 de janeiro de 2015
Crónica| O diálogo impossível entre a ponta do fuzil e a da caneta: atentado em Paris como incontornável ponto no ensino de jornalismo
Que lição tem o mundo a ensinar a quem sonha abraçar o
jornalismo? Que é por definição um exercício de coragem, os manuais estão já
fartos de postular. Que os jornalistas vêm sendo ao longo dos tempos alvos de
actos intimidatórios e por vezes letais, é um quadro com o qual não nos podemos
conformar.
É o mínimo que nos resta, antes de declararmos a falência
da humanidade, acreditar no que de mais nobre devia prevalecer no bicho homem.
Outras vias constroem mais quando é para superar diferendos, ou não fosse o
profissional de informação um ser passível de cometer erros e excessos, às
vezes também, de prejuízos irreversíveis.
quarta-feira, 7 de janeiro de 2015
Citação (angolanos por fora)
"Esse pessoal a gente lhes vê a entrar sem
papel, nem só já um visto provisório, nada. Basta irem a Luanda, até te
esfregam o BI angolano na cara. Não vale a pena só, meu mano, Bilhete não é
nada."
Voar pensando
Às vezes penso que isso de andar a voar não é
senão revelador do incontrolável génio competidor da espécie humana. De voar eu
não morro de amores, nem pouco nem muito. Mas voo, não havendo escape.
Self learning
Meus companheiros inseparáveis principalmente
fora de casa. O primeiro à esquerda é parte do que de mais importante me sobrou
de década e meia servindo o sector das ONG. O segundo e o terceiro foram
adquiridos em Salvador da Bahia, Brasil, Dezembro de 2013. O último foi
adquirido numa das livrarias em Benguela, onde a bibliografia sobre
fotografia é das mais escassas. Lendo e praticando, o faro e a sensibilidade
completam o passatempo que é disparar o botão da básica Nikon D3100
segunda-feira, 5 de janeiro de 2015
"Miss Mundo elimina desfile de biquínis", diz notícia do Rede Angola. Uma desilusão para cultores da nudez em desfile. Só agora é que deram conta de que o culto ao corpo não beneficia as mulheres?
Miss World 2013_Romeo Ranoco_Reuters |
A partir deste ano as
concorrentes ao concurso de Miss Mundo deixarão de desfilar em biquíni ou fato
de banho. A decisão tomada recentemente pela organização que elege anualmente a
mulher mais bela do mundo, visa valorizar o trabalho de solidariedade social e
colocar a aparência física em segundo plano, noticiou a Platina Line.
Durante o anúncio, a
presidente do maior concurso de beleza feminina, Julie Morley, garantiu que a
partir da próxima edição, as modelos não vão usar esse tipo de roupa porque de
acordo com Morley, isso não faz nada pelas mulheres.
“Não preciso ver as
mulheres a andar para cima e para baixo em biquíni. Não faz nada em prol das
mulheres e não faz nada por nenhum de nós. Não interessa se uma mulher tem um
rabo maior que outra, não estamos interessados em olhar para o seu rabo.
Estamos interessados em ouvi-la falar”, frisou.
Ler notícia completa aqui
domingo, 4 de janeiro de 2015
Diário| Ainda a morte institucional do k, w, y na toponímia, no português de cá e a bota de assimilados que nunca mais descalçamos
Tem muita piada, muita mesmo, o argumento
"refinado" na classe intelectual para defender esse erro
administrativo de nos continuarmos a negar a nós mesmos em nome da
"união". Em duas ocasiões diferentes, uma num programa radiofónico emitido
de Luanda para o país todo, outra noutro programa também radiofónico por
Benguela, passou-se a ideia de que "quando
escrevemos cota com a letra C [querendo dizer irmão, irmã, pessoa mais velha de
nós, e em alguns casos pai/mãe], estamos a usar o português do Brasil e de Portugal.
No português de Angola é que é com K." Mas, oh caramba!, não seria mais
inteligente explicar como a palavra surge, ao invés de andarmos a branquear as
coisas? Os portugueses e os brasileiros têm COTA, sim, com a letra C, que é
indicador estatístico (como por exemplo a cota de 30% de representação feminina
no parlamento). Agora, quando se trata de grau parentesco - e não há cá esses
avanços para trás - estamos em presença da palavra de origem BANTU, que é KOTA.
É assim em Kimbundu, é assim em Umbundu, pá! Se ao longo do processo histórico
a "cultura superior" dominante foi cega às nossas raízes, cabe-nos,
hoje que já somos (ou devíamos ser) soberanos, ensinar aspectos linguísticos na
interdisciplinaridade com a história e antropologia. Como se já não bastasse a
tendência de pronunciar o R carregado como se andássemos a expulsar uma espinha
de peixe entalada na garganta, numa incompreensível vaidade de negar a nossa
pronúncia palatina; como se já não bastasse andarmos aos sotaques mecânicos,
mesmo quando até nunca botamos o pé na Europa (e não são poucos os casos); vem
agora essa coisa de confundir influências regionais com erros de concepção ou
normatização ortográfica. Não me venham com essas leviandades de "ah, no
português do Brasil e de Portugal é com C, no nosso é que é com K", num
subtil aconselhamento do tipo "tanto faz". Quer dizer, quando convém
(como acontece com o ku-duro, as misses e o semba) evocamos orgulho ao que é
nosso. Já quando tem que ver com aspectos da nossa identidade como africanos,
reeditamos a bitola com que durante séculos fomos subjugados. Como dizemos no
bom Umbundu, "Wakambi osõi!" (Tenham mais é vergonha!)
Gociante Patissa, 4
Janeiro 2015
sábado, 3 de janeiro de 2015
O de costume
A parte mais chata dessa coisa de se dedicar a
fecundar livros é... ler e reler e reler páginas e páginas, na caça ao erro,
antes de enviar o original para avaliação/publicação do editor. Muito mais
chata é aquela gralha que só aparece depois de expedido o material. Ontem
foram-se as crónicas.
sexta-feira, 2 de janeiro de 2015
Ainda a hospitalidade cantada pelo nosso povo
"Ukãi wa Sambayu / okwete ocali/ omunu opita vonjila/ ocisangwa ceci/ a Sambayu/ tambula ocisangwa combundi/ a Sambayu/ tambula ocisangwa/ ceci"
(cântico popular Umbundu que ouvia dos vizinhos quando entendessem improvisar momentos de diversão com alguma dança e convívio)
MINHA TRADUÇÃO: A esposa do Sampaio é hospitaleira/ quando vê alguém passar/ regala logo com um copo de quissangua/ ó Sampaio/ aceita a nossa quissangua adoçada com raízes/ ó Sampaio/ aqui tens a nossa quissangua