foto de autor desconhecido |
Nessa altura, entendia já de foco e do trabalho na
câmara escura, o qual compreendia a revelação de rolos e a impressão de
fotografias propriamente dita. Reconhecia a quilómetros o bafo do revelador, do
fixador, e já sabia manipular o ampliador. E mais, era impecável no ardil de
«flashiar» (na falta de material, fotografávamos de máquina vazia, cabendo ao
flash completar a impressão de normalidade. No mínimo 24 horas depois, com
semblante condoído, mostrávamos ao cliente qualquer rolo escuro. O resto era já
previsível: queimou, há que repetir).
Uma simples barraca – barrotes, esteiras de palha,
lona e panos – chamada Foto Boa Imagem. O nome foi sugestão minha. Os
encravamentos dos carretos da Zenit, máquina fotográfica analógica russa de película a preto-e-branco,
eram por mim remediados, agachado como muçulmano em hora de meditação, bastando
a secretária inundar-me com todos os panos e lonas dali, numa improvisada
câmara escura. Estamos em 1994, eu ia a caminho do 16.º aniversário. Frequentava a sétima classe numa escola que ficava a mais ou menos oito
quilómetros de casa, vencidos diariamente a pé. O entusiasmo foi curto, pois não mais almoçaria em
casa. Feijão e peixe frito era a rotineira base de quem só podia ficar-se pelo
prato mais barato, ora com arroz, ora com massa. Na verdade, continuo
almoçando fora, às vezes mais por puro hábito do que por impossibilidade.
Foi em 1993 que me vi forçado a arranjar emprego,
ainda aos 15 anos, para custear os estudos, andava eu na sétima classe. Podia
bem ir a uma das várias oficinas de motorizada, mas bati mesmo foi à porta da
foto Kodak e a resposta do homem foi gélida. Algum tempo depois, vendo-me
passar, chamou. «Ah, nunca mais passaste». Por acaso conheci sempre bem o valor
semântico da palavra não. «Queres começar amanhã?» E no dia seguinte, levou-me
atrás da casa, pôs-me sentado e girou uma saliência redonda no focinho da
máquina. «Chama-se objectiva, o exercício é de acertar o foco. Gira, gira, até veres a minha cara nítida, está bem?»
Na semana seguinte, andava eu, todo magro, de máquina ao pescoço pelo bairro,
já em reportagem.
Soube pelo meu irmão que o mestre Lopes perdeu a vida
no ano passado, embora só hoje tenha reunido energias para escrever qualquer
coisa em memória do homem que me viciou nas fotos, ele que não poucas vezes se
viu tentado a fazer foto artística, apesar da escassez de material.
Gociante Patissa, Luanda 10/01/15
Foto de autor desconhecido, achada algures na Internet
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