sábado, 10 de janeiro de 2015

Diário| Palavrinha tardia pelo mestre Octávio Lopes

foto de autor desconhecido
Um ano depois de conseguir o emprego de aprendiz de fotógrafo num estabelecimento precário denominado Foto Kodak, no bairro Santa Cruz, município do Lobito, fui transferido para a dependência do mercado informal da Catumbela. 


Nessa altura, entendia já de foco e do trabalho na câmara escura, o qual compreendia a revelação de rolos e a impressão de fotografias propriamente dita. Reconhecia a quilómetros o bafo do revelador, do fixador, e já sabia manipular o ampliador. E mais, era impecável no ardil de «flashiar» (na falta de material, fotografávamos de máquina vazia, cabendo ao flash completar a impressão de normalidade. No mínimo 24 horas depois, com semblante condoído, mostrávamos ao cliente qualquer rolo escuro. O resto era já previsível: queimou, há que repetir).

Uma simples barraca – barrotes, esteiras de palha, lona e panos – chamada Foto Boa Imagem. O nome foi sugestão minha. Os encravamentos dos carretos da Zenit, máquina fotográfica analógica russa de película a preto-e-branco, eram por mim remediados, agachado como muçulmano em hora de meditação, bastando a secretária inundar-me com todos os panos e lonas dali, numa improvisada câmara escura. Estamos em 1994, eu ia a caminho do 16.º aniversário. Frequentava a sétima classe numa escola que ficava a mais ou menos oito quilómetros de casa, vencidos diariamente a pé. O entusiasmo foi curto, pois não mais almoçaria em casa. Feijão e peixe frito era a rotineira base de quem só podia ficar-se pelo prato mais barato, ora com arroz, ora com massa. Na verdade, continuo almoçando fora, às vezes mais por puro hábito do que por impossibilidade.

Foi em 1993 que me vi forçado a arranjar emprego, ainda aos 15 anos, para custear os estudos, andava eu na sétima classe. Podia bem ir a uma das várias oficinas de motorizada, mas bati mesmo foi à porta da foto Kodak e a resposta do homem foi gélida. Algum tempo depois, vendo-me passar, chamou. «Ah, nunca mais passaste». Por acaso conheci sempre bem o valor semântico da palavra não. «Queres começar amanhã?» E no dia seguinte, levou-me atrás da casa, pôs-me sentado e girou uma saliência redonda no focinho da máquina. «Chama-se objectiva, o exercício é de acertar o foco. Gira, gira, até veres a minha cara nítida, está bem?» Na semana seguinte, andava eu, todo magro, de máquina ao pescoço pelo bairro, já em reportagem.

Soube pelo meu irmão que o mestre Lopes perdeu a vida no ano passado, embora só hoje tenha reunido energias para escrever qualquer coisa em memória do homem que me viciou nas fotos, ele que não poucas vezes se viu tentado a fazer foto artística, apesar da escassez de material.

Gociante Patissa, Luanda 10/01/15
Foto de autor desconhecido, achada algures na Internet
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