Foto de autor desconhecido |
Conta-se que Dona Lebre e Dona Lagartixa
eram boas comadres! Cuidavam do cabelo uma da outra. Estavam tão habituadas a
manter as fofocas actualizadas que, na ausência da Dona Lebre, Dona Lagartixa
ficava doente, e vice-versa. Mas… não há nada melhor do que o tempo e a fome
para medir a força das relações.
Certo dia, um dos vários de um longo tempo de penúria, vinha Dona Lebre de uma aldeia vizinha, ressacada ainda pela festa da noite anterior. Trazia numa mão a felicidade e na outra a carne de vaca para a família. Mal se aproximou da aldeia, viu uma goiabeira de frutos bem maduros. Para Dona Lebre, toda emancipada, trepar uma goiabeira era coisa mínima. E trepou, deixando a carne ao pé da árvore sobre uma pedra. Ainda não tinha comido um único fruto, quando ouviu gritos de lá debaixo da árvore:
– Achei, não roubei! É minha sortiiiéééé!!!!! – gritou Dona Lagartixa.
– Deve haver confusão. A carne é minha,
deram-ma na festa. – argumentou Dona Lebre.
– Nunca, comadre! Isso é que a carne não
é!!! Como assim, tua? É que nem penses!
– Por tudo o que é mais sagrado. Só parei
para provar goiabas. E como não dava jeito trepar com a carne, deixei-a ao pé
da árvore. Vou partilhar um pouco, cara comadre…
– Dividir o que achei? Assim perco a sorte.
Ou levamos o caso ao Rei, ou não sei… Hum!
E foram, trombudas, à ombala do Rei, cada convencida de ter o monopólio da razão.
– Ó Rei, – disse Dona Lagartixa, soltando palavras a jacto – se a carne fosse
da comadre Lebre, não teria trepado com ela?
Engasgado, o Rei não teve outra saída senão atribuir a carne à Dona Lagartixa. Esta, feliz por ganhar a causa, saiu disparada com a gula de devorar a carne com os filhotes. Mas, por distracção, deixou a cauda do lado de fora da toca. Nisto, Dona Lebre deu conta da cauda da Lagartixa. Agarrou-a e gritou:
– Obá! Achado não é roubado! Achei uma cauda de lagartixa, é minha sorte!
– Pára, pára, pára aí, ó comadre Lebre! – resmungava Dona Lagartixa a pedalar
de cabeça para baixo. – Já não reconheces a minha cauda, comadre Lebre? Isso já
é ofensa!
– Não... eu achei a cauda, comadre
Lagartixa…
– Mas como é que vais achar uma coisa que
está presa ao meu corpo? Ou será que a comadre tem algo contra mim? Exijo
justiça, vamos ter com o Rei.
Uma vez lá, e ouvidas as duas versões, o Rei já não teve problemas em decidir. E disse:
– Se entrou para a toca, Dona Lagartixa, e
deixou a cauda de fora é porque não é sua. Não foi o mesmo com a carne da
outra?
Dona Lagartixa ainda tentou ludibriar outra vez, mas o Rei tinha um exemplo claro, e ordenou:
– Dona Lebre, segure o machado e corte a cauda à tua comadre, senão você vai
perder a sorte.
Dona Lebre cortou a cauda e, como não precisava de caudas de lagartixa, jogou ao chão, aí mesmo na ombala do Rei. A proprietária recolheu a sua cauda e saiu desesperada à procura de um bom médico-cirurgião plástico. Infelizmente, a tecnologia não andava lá muito avançada. É por isso que, quando se dá um golpe, a cauda da lagartixa cai.
Moral da estória: uma amizade de verdade resite à fome, a distância e outras tentações.
Fábula popular Umbundu adaptada por Gociante Patissa (naquela época para o
programa “Aiué Sábado” da Rádio Morena), Benguela 14/08/08
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