"Não acontecia de outra forma. Se tocasse no mato, vinham os pássaros ter com ele, aglutinando melodias. Se tocasse numa zona habitada, poisavam os pombos à sua volta, um atrás do outro. Uns achavam que era da voz, outros achavam que o poder estava na viola. Mas como se vai saber distinguir, se ele nunca deixava o instrumento, se não cantava sem dedilhar?
(...)
Sempre renovou, no seu cantarolar de praguejar a guerra, a promessa de visitar a terra que o viu nascer, a comuna da Chila, logo que calassem as armas. Mas o tão sonhado regresso acabou por não ser do jeito que imaginava. A onda de raiva com que o seu povo o expulsou, antes mesmo que se instalasse devidamente e se refizesse do cansaço da viagem, fê-lo abortar a visita. A sua canção não seduzia apenas pombos, atraía também corujas e corvos. E era disso que as pessoas tinham medo.
— Que dom é esse? — reprovou o líder da comuna, temendo desgraça. — Filho da terra traz esposa, cobertor, sal, não me traz azar. Assim é que não!
— Não faço mal a uma mosca, e isso não depende de mim, pai.
— C’os meu uotenta anuji, meu menino, nunca ouvi história bonita de corujas e corvos. É porque esses bicho é veneno. Senão, caté criava, como galinha-do-mato. Se quer visitar tua terra, não toca viola, também não canta".
Do conto "O Homem da Viola", in «A Última Ouvinte», Copyright © by Gociante Patissa & União dos Escritores Angolanos. 1ª Edição: Luanda, 2010
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