—
Sim, chefe, estou a ouvir. — saiu em jeito de eutanásia. — Pressinto que tem a
ver comigo, pode dizer só o que se passa.
—
Na nossa profissão, não podemos misturar prazeres…
—
Chefe, mas desculpa, de que prazer estamos a falar?
—
Acho que já te disse isso várias vezes, ó Toy. Nesse trabalho, não podemos
misturar prazeres. É como quem vende drogas, não as pode consumir. Aqui é
encarar as lágrimas dos enlutados como simples ferramenta rotineira, portanto
nada de meter emoções.
—
Sei, sim, faz parte do contrato. Nunca esqueço que quando estou em serviço, é
porque alguém está de luto.
—
Mas… oh caramba!, como explica essa exposição acusatória sobre conduta pouco
digna?! Bem, deixa ler uns trechos da exposição da mãe do falecido, a sogra da
mulher:
“À
Agência Funerária Portinhola do Paraíso. Vai nesta missiva o meu mais vivo
repúdio pela atitude devassa implícita da empresa, no funeral de meu filho,
cuja honra defendo pelos bons e sagrados costumes (…) Não permito que se
assistam a assédios de viúvas, como aconteceu em plena cabine de vossa viatura,
a poucos centímetros da urna, o que, como explicaram os entendidos, levou o
falecido a irritar-se e soltar espumas pela boca e narinas, não obstante o
tratamento previamente feito ao corpo (…) Ou o senhor toma medidas, ou terei
que gritar ao mundo”.
Gociante Patissa,
in «Não Tem Pernas o Tempo», pág. 18-19. União dos Escritores
Angolanos (UEA). Luanda, Angola, 2013
0 Deixe o seu comentário:
Enviar um comentário