segunda-feira, 18 de novembro de 2013

Crónica: QUEM NOS PROTEGE NÃO DEVIA TEMER UMA FLOR

Acácias rubras são plantas/flores que dão símbolo à cidade onde moro, Benguela. Às vezes, pergunto-me que símbolo teria a ilha de Guantánamo em Cuba... Olha, pronto, paciência! São as tais escolhas piramidais entre o belo e o bélico.

Mas quando falamos em “Terra das Acácias”, temos presente Benguela cidade, ou a sua dimensão de província? Seja como for, recordo que a capital geográfica do poder é também o centro dos padrões. O axioma é de um sociolinguista que consultei durante a elaboração da tese de licenciatura. Daí ver-se como padrão a variante Umbundu do planalto-centro, ou falar-se do londrino como sendo o “melhor inglês”, por exemplo.

Há muitas formas de olhar para as acácias, que têm o verde e o vermelho do semáforo, que junta num tronco as bandeiras da paridade MPLA e UNITA, enfim, o desabrochar da paixão e o nutrir da esperança. É ainda da acácia o escudo acastanhado da semente, muitas vezes feito chocalho do grupo coral infanto-juvenil da igreja da minha mãe.

Há coisa de dois meses, uma rádio da cidade dedicou largos minutos do seu tempo de antena para sensibilizar e mobilizar sinergias, tendo em conta o repovoamento da espécie. São na maioria árvores vencidas pela erosão do tempo, beirando qualquer dia a extinção. Outra voz, no sempre saudável contraditório, defendia a necessidade de dar igual atenção a outras espécies, evitando deste modo entulhar sobre os ombros das acácias a missão de purificar o ar e dar aconchego à cidade ensolarada.

Revejo-me inteiramente na irreverência das acácias, que se antecipam a engalanar a cidade no último trimestre do ano, antes mesmo de as regras de mercado começarem a montar aquelas onerosas árvores de Natal. Como tal, hoje, atraído pelo sorriso da pétala, pus-me a caminhar de máquina fotográfica em punho, enquanto a representante não confirma a conclusão da revisão do carro… para mais uma viagem em turismo interno.

Depois do Largo 1º de Maio, estive a captar o que para mim é o jardim mais pertinente da cidade, por encher de graça numa só assentada a Procuradoria, a Polícia de Viação e Trânsito, a sede do Sindicato, os bancos, a Administração Municipal e o Tribunal. Foi então que surgiu um agente da polícia, na casa dos quarenta e muitos anos, abordando-me de indicador em riste em jeito de proibição. Aqui não se tira fotografias, ordenou. Não se pode fotografar uma flor, senhor agente? Aqui não, já disse!

Sorri, sem no entanto guardar a máquina. Ele retirou-se instantes depois, desaparecendo pelo edifício da Procuradoria, entregue que estava o papelinho a um senhor que se encontrava no recinto, com semblante de ter um familiar em conflito com a lei. Qual é o mal em fotografar uma flor, meu mano? Aquele sorriu. Não sei. Se calhar pensou que lhe estavas a fotografar, justificou. Aí pensei cá comigo: será que o agente se julga mais fotogénico do que a variedade de flores e as estátuas naquele jardim?

E lá continuei a fotografar, ignorando a censura do agente, cujo rosto não fixei, nem o nome. Na sua profissão, deve lidar com tantos casos de violência, que desenvolveu algum trauma. Obviamente, quem que nos protege não devia temer uma flor!

Gociante Patissa, Benguela 18 Novembro 2013
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2 Deixe o seu comentário:

Fernando Ribeiro disse...

...falar-se do lisboeta como o “melhor português”...

Caro Patissa, esta afirmação não está correta. O que é considerado “melhor português” é o de Coimbra, e não o de Lisboa, porque ao longo de vários séculos Coimbra teve a única universidade de Portugal. Quem "sabia" falar português estava em Coimbra, considerada o centro do saber.

Angola Debates e Ideias- G. Patissa disse...

Grato pelo reparo, amigo Fernando. Vou já corrigir, substituindo por outro exemplo pertinente ao contexto da asserção. Cumprimentos

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