Há
uma marca portuguesa que explora muito bem a técnica de transformar pequenos (e
até rotineiros) momentos do dia-a-dia em singelas celebrações. Indo além da
convencional função do rótulo, que se consubstancia na enunciação da marca, respectivos
ingredientes, data de caducidade e aquele apelo (bastas vezes grotesco) às mil
e uma vantagens para a compra do produto, aquela marca portuguesa faz questão
de mostrar que se lembra do consumidor enquanto ser social.
Não
se sabe se a ideia lhes é original, mas que é feliz ideia, lá isso é, abraçando
o cliente entre o comércio e a arte da poesia. Os pacotes de açúcar, da
quantidade de uma colher de sopa, apresentam criteriosa selecção de frases
carregadas de imagens e sentimentos.
Imaginemos
alguém que, a trabalhar há muitas horas e quilómetros distante de casa, se faça
à mesa de bar no outro lado da rua, atrás de uma chávena de café, chá, ou
qualquer outra bebida e, inesperadamente, leia no verso do pacotinho de açúcar o
seguinte: “um dia fujo do trabalho para brincar com a minha filha”. É muito provável que aquele
simples gesto de “beijar” a chávena proporcione um momento de a alma ser capturada
pela sensibilidade e força desta doce rebeldia, sendo, ou não, pai, ou mãe, de
uma menina. É reconfortante sentir que alguém se identifica com o nosso conflito
latente.
“Um
dia fujo do trabalho para brincar com a minha filha”.
De quem seria este desabafo? Por
um lado, um bem chamado emprego, fonte do pão; por outro lado, um bem chamado
família. Qual seria o estado de espírito do trabalhador, ou trabalhadora, para
conceber tal oposição de valores? Também
especulei quando li a frase, como você estará especulando agora. Estava eu no
Lubango há quatro anos em gozo de férias laborais, aproveitando para divulgar o
“Consulado do Vazio”, meu poemário de
estreia. Daí que me visse por instantes remetido às saudades de casa, ainda no
terceiro dia.
Lembrei-me deste assunto quando pedi um chá a
seguir a uma boa feijoada, depois de um daqueles saudáveis debates com a
atendedora, para quem o ideal era o chá cidreira ao invés do de camomila, que
alegadamente causa sono. Disse-lhe pois, conhecendo meu sono melhor do que a bem-intencionada
sugestão, que raramente adormecia de dia. Enquanto ela desaparecia de sorriso
rasgado pelo corredor, animavam-me duas daquelas frases do pacotinho: “Uma noite exploro o teu interior. Hoje é a
noite”, lia-se na primeira. “Os apaixonados
vibram um com o outro”, completava a segunda. As frases são recolhidas como
produto da cumplicidade entre a empresa e seus consumidores.
Pondo
de parte os cânones quanto ao marketing enquanto actividade, qualquer leigo, digo
como eu, percebe que as mais marcantes campanhas vingam pela simplicidade,
feliz quando profunda, das imagens que escolherem (sejam textos, ilustrações ou sons).
É certo que a polémica é, às vezes, adoptada para "vender" o produto,
mas, no final das contas, vale mesmo aquela ideia que humaniza. Mais do que a
razão, são ainda o sentimento, a emoção e o afecto quem move a humanidade e
suas escolhas.
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