Um dia tudo voltará ao normal. Um dia será esquecido o espectro da insegurança. Um dia poderão as pessoas visitar os seus familiares nos bairros do Kioxe e/ou Massangarala, à hora que quiserem após o pôr-do-sol. Mas esse dia está ainda distante.
Em Angola e no mundo multiplicam-se as notícias de noites mal dormidas por causa dos donos dos nossos medos. Eles usam a linguagem da ponta da faca, da garrafa quebrada, do fuzil. São frutos da geração do espectáculo, que têm nessa era da (excessiva) mediatização a fonte de inspiração. Muita fantasia. Ingénuos e letais, umas vezes sob efeito da droga, outras até nem por isso! A isso acresce-se a especulação, que tem o efeito de os tornar ainda mais temíveis. Quem foi a pátria que os pariu? Não sei se a minha, se a tua. Mas a verdade é que a coisa chega a tal ponto, que cada benguelense tem um "bandidinho" na família.
Na segunda quinzena de Fevereiro, dois grupos rivais decidiram ajustar contas em plena cerimónia cristã de enterro de outro jovem escuteiro que faleceu por acidente de viação. O Cemitério Velho da Kamunda foi palco de luta livre, inicialmente, só entre os grupos rivais. Logo a seguir, atingiram qualquer um que se encontrasse no local. Nem mesmo o padre, que celebrava a missa, foi poupado: agrediram-no com a cruz de cimento, arrancada de uma das campas. Valia tudo, até arremessar vasos. Um dos integrantes dos "Notórios" foi esfaqueado mortalmente no local. «Me sinto mesmo normal», foi o que disse o já detido assassino à imprensa, poucos dias depois. «Não estou arrependido», disse.
Kioxe e/ou Massangarala, bairros vizinhos na margem sul do rio Cavaco, costa da cidade de Benguela, têm duas coisas em comum: (1) foram “fundados” por cabo-verdianos contratados pela açucareira (na era colonial), (2) albergam grupos de jovens delinquentes rivais, ou seja, “Notórios” (no Kioxe) e “Boladona” (na Massangarala). Nenhuma pessoa “normal” aceitaria um passeio com tal rota, a não ser que fosse por força maior – nem mesmo os kupapatas (mototaxistas) aceitam levar para lá passageiros, e olha que esses são os líderes da flexibilidade (no horário e no preçário).
Em Angola e no mundo multiplicam-se as notícias de noites mal dormidas por causa dos donos dos nossos medos. Eles usam a linguagem da ponta da faca, da garrafa quebrada, do fuzil. São frutos da geração do espectáculo, que têm nessa era da (excessiva) mediatização a fonte de inspiração. Muita fantasia. Ingénuos e letais, umas vezes sob efeito da droga, outras até nem por isso! A isso acresce-se a especulação, que tem o efeito de os tornar ainda mais temíveis. Quem foi a pátria que os pariu? Não sei se a minha, se a tua. Mas a verdade é que a coisa chega a tal ponto, que cada benguelense tem um "bandidinho" na família.
Na segunda quinzena de Fevereiro, dois grupos rivais decidiram ajustar contas em plena cerimónia cristã de enterro de outro jovem escuteiro que faleceu por acidente de viação. O Cemitério Velho da Kamunda foi palco de luta livre, inicialmente, só entre os grupos rivais. Logo a seguir, atingiram qualquer um que se encontrasse no local. Nem mesmo o padre, que celebrava a missa, foi poupado: agrediram-no com a cruz de cimento, arrancada de uma das campas. Valia tudo, até arremessar vasos. Um dos integrantes dos "Notórios" foi esfaqueado mortalmente no local. «Me sinto mesmo normal», foi o que disse o já detido assassino à imprensa, poucos dias depois. «Não estou arrependido», disse.
Kioxe e/ou Massangarala, bairros vizinhos na margem sul do rio Cavaco, costa da cidade de Benguela, têm duas coisas em comum: (1) foram “fundados” por cabo-verdianos contratados pela açucareira (na era colonial), (2) albergam grupos de jovens delinquentes rivais, ou seja, “Notórios” (no Kioxe) e “Boladona” (na Massangarala). Nenhuma pessoa “normal” aceitaria um passeio com tal rota, a não ser que fosse por força maior – nem mesmo os kupapatas (mototaxistas) aceitam levar para lá passageiros, e olha que esses são os líderes da flexibilidade (no horário e no preçário).
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Eu, que tenho o defeito das precauções, também não iria ao Kioxe, juro mesmo!, se lá não vivesse a minha kota e, por tabela, os meus sobrinhos. Eis que decidi enfrentar a fatalidade. Aliás, já diz a máxima Umbundu «onambi l’onambi ikuete u yalonã», ou seja, cada fatalidade tem a quem afectar.
A ideia original era ir ao Lobito visitar a minha mãe. Mas, como nessa fase a polícia está rigorosa a exigir dos taxistas a famosa licença, a luta é grande para se conseguir um lugar. Pelo que tive de cancelar a viagem, uma vez que me tinha de apresentar ao serviço no dia seguinte. E é aí que as palavras da amiga americana Nancy da Escola de Inglês fazem sentido (life bocomes easier when you have a car). Ora, não podendo ir ao Lobito, que é uma boa forma de escapar do quotidiano levado à desportista sem compromisso, só restava ir à casa da minha kota.
Mas a questão, falando de Kioxe, não é a ida, é o regresso. O cunhado tem uma carrinha, mas detesto ser chato e é sempre bom nessa vida ter um plano B. E o meu plano B foi andar com a pasta de documentos, umas notas de dois mil kwanzas no bolso e pôr o telefone em prontidão para o caso de os donos dos nossos medos o exigirem.
Cerca de vinte minutos a pé, numa caminhada sem problema algum. E a primeira coisa que fiz ao chegar à minha posição foi mandar uma SMS: “Oi, mana, cheguei bem. Feliz noite!”.
A ideia original era ir ao Lobito visitar a minha mãe. Mas, como nessa fase a polícia está rigorosa a exigir dos taxistas a famosa licença, a luta é grande para se conseguir um lugar. Pelo que tive de cancelar a viagem, uma vez que me tinha de apresentar ao serviço no dia seguinte. E é aí que as palavras da amiga americana Nancy da Escola de Inglês fazem sentido (life bocomes easier when you have a car). Ora, não podendo ir ao Lobito, que é uma boa forma de escapar do quotidiano levado à desportista sem compromisso, só restava ir à casa da minha kota.
Mas a questão, falando de Kioxe, não é a ida, é o regresso. O cunhado tem uma carrinha, mas detesto ser chato e é sempre bom nessa vida ter um plano B. E o meu plano B foi andar com a pasta de documentos, umas notas de dois mil kwanzas no bolso e pôr o telefone em prontidão para o caso de os donos dos nossos medos o exigirem.
Cerca de vinte minutos a pé, numa caminhada sem problema algum. E a primeira coisa que fiz ao chegar à minha posição foi mandar uma SMS: “Oi, mana, cheguei bem. Feliz noite!”.
Gociante Patissa, Benguela 11/03/09
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Não há "mal pior"do que a insegurança!
Há que se pôr cobro à situação.
Ola meu amigo Patissa, li o teu texto com a ideia de que sei do que falas, embora nunca tenha vivido na pele.
Nenhum pais, por mais evoluído e civilizado que este seja, deixa de ter o seu momento de insegurança, já seja este por grupos rivais num ajuste de contas, quer seja por um mero desequilibrado que decidiu cobrar do mundo os seus traumas.
De qualquer forma, acredito que a segurança só será possível com a presença constante de elementos de seguridade, aka policia, assim como com a colaboração da população, já que como tu mesmo disseste poucos são as famílias que não tem um elemento num desses grupos ou bandos criminosos.
É preciso uma educação civil e moral presente, não só no seio das famílias como também nas escolas, só assim unidos conseguiram um pais mais seguro pra todos os Angolanos.
Ainda bem que nada te aconteceu e esperamos que nunca te venha acontecer, já que tens uns leitores que tens de manter informados sobre as actualidades da vida quotidiana de Angola :D
Beijinho
A tensão diminuiu
Voltei ontem ao Kioxe e, para além de ver a kota e os sobrinhos, ainda devorei um bom peixe.
Voltei a pé e vi bué de casais na rua a namorar, o que indica que a tensão diminuiu consideravelmente.
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