A reportagem do Blog www.ombembwa.blogspot.com fez um assalto na tarde de
quinta-feira, 02/08, aos bastidores da mais recente atracção, o programa em língua
umbundu “Popya Otchili” (em português, diga a verdade). É emitido em directo às
segundas e quintas-feiras, das 15h às 16h, pela Rádio Ecclesia, na frequência
dos 99.7 FM. Cobre as cidades do litoral, nomeadamente, Lobito, Catumbela,
Benguela, e Baía Farta. À testa da equipa está o carismático João Guerra. O
trio inclui ainda o linguista Jesus Matende e a locutora Arminda Mangandi.
O educador social Guerra, também evangelista
católico, não é uma pessoa estranha ao ambiente de rádio em Benguela, província
que passa a contar com cinco estações. Destas, apenas as estatais Lobito e
Benguela, do grupo Rádio Nacional de Angola, incluem na grelha de programas a
língua umbundu, apesar de ser a mais falada no país e representar 1/3 da
população.
Ouvir o áudio da reportagem em versão de rádio
“Neste
momento, porque estamos na fase inicial, o programa consiste em anunciar as
notícias, primeiro, da Diocese e, depois, a interacção, com o público; e
passando uma vez a outra também passar aquelas as notícias que são do interesse
da própria comunidade. Porque queremos criar um programa mas criado mesmo para
o público e do povo para nós. Por isso é que temos sempre alguns minutos de
interacção com o público”, conta João Guerra Sokópia.
No momento da reportagem, a equipa acabava de
ganhar mais meia hora do tempo de emissão a partir da próxima edição.
“Exatamente.
Nós nessa interacção que temos com o público, qual é a intenção? Criamos, ou
buscamos, um problema e o povo é que vai como que julga e busca solução para
esse problema. E nós, por fim, se for uma questão que dá para dar uma lição de
moral do dia, damos uma lição. Se for o contrário, o próprio público é que dá a
lição moral. E fica como uma educação moral. E fica como uma educação social”, disse.
Ao fim de seis edições, o perfil da audiência
vai ficando claro. O carinho, este, compensa.
“Surpreendentemente,
estamos a receber um retorno positivo porque todos os dias, mais de sete
pessoas ligam para o nosso programa, apesar de termos só trinta minutos às
vezes para esta interacção. Mas a partir das próximas semana já teremos mais
trinta minutos no nosso programa.”
Até
aqui, nós podemos depreender que, neste momento que falamos, o alvo é mais a
população rural. Temos recebido telefonemas do Lobito, da Baía [Farta], do
Tchamume. Por aqui dentro, se calhar a influência também do próprio trabalho
[limita]. Muitos estão no serviço. Neste momento, a população é o povo simples”,
descreve Guerra.
Salta à vista é a variação regional entre os
três animadores. Arminda é do Huambo, Jesus da Huila. Numa sociedade habituada
a estabelecer, com algum egocentrismo à mistura, determinadas variantes como
sendo a variante padrão, ousamos indagar como se sente João guerra, natural do
Caimbambo, e por isso dono de um registo acentuadamente Hanha.
“Alguns
acham que falando hanha, falando Mokoio, parece que está desprezado. Mas não,
não! Para mim não é isto. Porque o tal umbundu tem estas variantes. O termo
variante significa que está a variar.”
O que é uma riqueza se considerarmos, certo?
“Eu até, nas minhas viagens, subo mesmo até a Kamakupa, não tenho
complexo de falar a minha variante. Porque é aquela que me identifica. E eu
digo lá logo: eu sou do sítio X e me entendam lá nisso. E assim mesmo aqui na
rádio, dou graças a Deus, temos essas variantes. Até já fizemos uma ligação de
três províncias. É uma grande riqueza”, conclui.
Jesus Miguel Zatón Matende é o mais novo dos
três e estreante também nessa coisa de fazer rádio e garante que é para
continuar. Sabe da percepção gerada dos produtos radiofónicos, quando se ouve
um programa em umbundu, a de imaginar que está por detrás do microfone uma
pessoa já de idade e com pouca escolaridade. Matende conhece bem tal preconceito.
“É uma questão apenas de mentalidade. Aqui importa dizer que no mundo das
línguas nacionais, eu comecei muito cedo. Desde os 24 anos quando fui para a
universidade. Formei-me em línguas africanas pela faculdade de letras da
Universidade Agostinho Neto. Em 2014, trabalhei também para a área de línguas
nacionais no Gabinete Central do Censo. Fazia parte do grupo que atendia as
chamadas aos cidadãos em línguas nacionais. E também, importa aqui salientar
que dei aulas de umbundu durante três anos no IFAL [Instituto de Formação da
Administração Local]. Isto, tirando as colaborações que eu fazia e sempre tenho
feito com o Instituto de Línguas Nacionais. Sempre houve este tipo de
espezinhar, dizer ‘mas, jovem?! O que é que se passa? Então enquanto os outros
optaram por fazer inglês, pelo francês, e você exactamente umbundu. Porque?’ Já
estou habituado com este tipo de questões e para mim não tenho problemas com
isto.”
Procuramos saber a sua visão, na dupla
condição de locutor e estudioso, a propósito da visível variação regional dos locutores
do programa e de que modo lida com os sotaques e dialectos.
“De facto é a primeira experiência que eu presencio, em que alguém de uma
determinada província se identifica por detrás dos micros com a sua variante,
como genuína. É um princípio e acho que deve continuar assim. Se uma estação
radiofónica for instalada numa determinada localidade, é importante mesmo fazer
valer aquela variante…”
Uma
questão de identidade. Porque se pensarmos que todo mundo tem que ser ‘Va
Mbalundu’, é complicado. Porque é assim: a língua umbundu é só uma nas suas
diversas variantes. Aqui eu acho que é importante que nós pensemos um pouquinho
nisso para que cada qual se identifique mesmo de acordo com aquilo que é a sua
variante. Por exemplo, já que tocou no mesmo assunto, vive-se a mesma realidade
num dos municípios da Huila, chamado Quilengues…”
É natural da Huila?
“Sim, sim, sim. Eu sou da Huila. Lá também a realidade é esta em que não
reconhecem praticamente aquela variante local, que se chama ‘olucilenge
columbali’. Por mim, devia-se falar mesmo aquela variante, mas não. Fala-se uma
variante virada para a variante Huambo. Portanto, estamos em renascimento. Aos
poucos vamo-nos habituando a outras realidades e este é um exemplo a registar,
com o evangelista Guerra”, afiançou Jesus Matende.
Por seu turno, Arminda Teresa Mangandi
empresta ao programa Popya Otchili alguma experiência acumulada no programa
registo, da Promaica [Promoção da Mulher
Angolana na Igreja Católica], emitido durante muitos anos pela Rádio Benguela. Natural
Bailundo, província do Huambo, tem uma notável competência linguística em
português. Daí que quiséssemos saber o motivo de optar pela locução em Umbundu:
“Eu
achei por bem exactamente quando disseram que precisavam de fazer um programa
em Umbundu, para fazer chegar um bocadito também mais sobre a importância da
língua, não é? Exactamente também para variar um bocadinho. Porque aqui, agora,
conforme viu, somos de regiões diferentes. Se bem que todos falamos umbundu,
mas depois, ao nos expressarmos, haverá quedas diferentes. Então, entrando ali,
eu acho que pode ser uma coisa boa, no meio dos dois colegas”, conta.
Popya Otchili é um programa com apenas seis
edições, numa rádio em fase experimental ainda. Quais são os desafios, as
dificuldades e que tipo de apoios precisariam?
“O grande desafio nosso é de fazer chegar em
todas as áreas, em todas as localidades aonde o nosso sinal venha a chegar,
fazer perceber bem a nossa língua nacional e fazer com que o cidadão perceba
que precisa [de] reactivar, precisa [de] pôr como uma coisa muita importante
esta língua que serve de elo entre as cidades e o campo e noutras áreas. Na
verdade temos muitas dificuldades, sabendo que estamos em fase experimental.
Ainda não temos muitas condições suficientes para podermos fazer o que
devíamos, o que pudesse talvez agradar melhor o cidadão. Todo o apoio para nós
é necessário, porque precisamos mesmo”, defende Arminda Teresa Mangandi.
Em exclusivo para os blogs Ombembwa e
Angodebates, a reportagem é de Gociante Patissa. Benguela, 02 de Agosto de 2018
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