Zetho Cunha
Gonçalves é, até onde sabemos, o único angolano alguma vez candidato, de facto,
a algum Prémio Nobel. A iniciativa da proposta do seu nome partiu da Universidade
de Lisboa. Nasceu na província do Huambo, corria o distante ano de 1960. Poeta, ensaísta, tradutor e
autor de literatura infantil, poderá não ser um nome muito conhecido do púbico leitor
angolano em função de residir na europa. Nesta entrevista que concedeu ao Blog
Angodebates www.angodebates.blogspot.com, o autor de «Rio Sem Margem» manifestou
estranheza pelo facto de a imprensa angolana ter ignorado a sua candidatura ao
Prémio Nobel de Literatura, edição do ano 2018, que no entanto acabou cancelada
devido à demissão em massa dos membros da Academia Sueca.
O que representa
para si a inscrição da sua obra entre os candidatos ao Prémio Nobel de Literatura?
Antes
que tudo, uma enorme surpresa, de mais a mais por ter sido pedido pela Academia
Sueca a uma Faculdade de Belas Artes a indicação de nomes para o Prémio Nobel
de Literatura. Por outro lado, o reconhecimento inequívoco e extrafronteiras do
valor do meu trabalho poético e literário.
Quanto
ao prémio, em si, devo dizer, com toda a franqueza, que não nutro ilusões nem
tenho veleidades de qualquer espécie: trata-se apenas da nomeação de um nome
entre tantos outros por esse mundo fora. Seria, contudo, hipócrita, se não
dissesse que a simples nomeação do meu nome para um tão alto galardão me deu
uma imensa e profunda alegria, para além de uma soma naturalmente maior de
invejas e, quiçá, de irónicas inimizades.
Convém,
porém, acrescentar, para que não restem dúvidas, que o meu nome foi proposto
como poeta e autor de literatura para a infância e juventude angolano (e não
português, malaio ou dinamarquês). E é também a primeira vez que um poeta
africano de língua oficial portuguesa é oficialmente proposto para Prémio Nobel
de Literatura.
Acha que o
cancelamento deste ano pode beliscar o prestígio do galardão?
O
prestígio do galardão, creio que não será beliscado: trata-se, afinal, do mais
cobiçado de todos os prémios literários a nível mundial. Mas, obviamente, alguma
coisa mudará. Quanto às alterações que se venham a verificar, na sequência das
demissões em massa dos membros da Academia Sueca e da eleição de novos membros
que os substituam, é um mistério cuja decifração só poderá produzir especulações
inusitadas.
Sabemos que foi
inscrito com substrato de académicos radicados em Portugal. Da parte de Angola,
houve alguma instituição que se prestasse a reforçar a sua candidatura?
Que
seja do meu conhecimento, apenas o Novo
Jornal concedeu espaço à publicação da notícia, reproduzindo o texto da
carta enviada pela Faculdade de Belas Artes da Universidade de Lisboa à
Academia Sueca justificando a proposta do meu nome para Prémio Nobel. E devo
dizer que fui eu mesmo quem enviou todos os dados à imprensa, quer angolana
quer portuguesa, a pedido da própria Faculdade de Belas Artes da Universidade
de Lisboa, uma vez que a Faculdade não tinha meios nem contactos para o poder
fazer.
E
aqui, não resisto a não contar um caso no mínimo curioso, que é a resposta do
director do jornal Cultura ao envio
da notícia para sua eventual publicação, que transcrevo na íntegra, e sem
comentários: «Zetho, meu mano, vamos esperar até te outorgarem o prémio, não
vale a pena estar a noticiar algo que é apenas uma candidatura… Isso é mais
para os jornais generalistas…/ JLM».
Se
acaso alguma entidade angolana reforçou a minha candidatura, sinceramente desconheço.
Informações
disponíveis indicam que as obras concorrentes do ano cancelado, este caso 2018,
serão reconduzidas à edição imediatamente a seguir. O Zetho vai manter a
candidatura?
Não
fui eu que me autopropus, logo, não serei eu quem tem que manter ou não a
candidatura, que, segundo sabemos, transitará para o ano seguinte, muito embora
a revalidação da proposta do meu nome, futuramente, seja da estrita competência
da entidade que me propôs e das entidades que, eventualmente, se lhe venham a
juntar, sejam elas angolanas ou de outras latitudes. Assim, e pelas declarações
que a própria Academia Sueca divulgou através da imprensa, serei naturalmente
candidato ao Nobel de Literatura 2019.
Que sugestões
faria para se retirar a literatura angolana da letargia que cada vez mais
parece evidente?
Um
grande poeta ou um grande ficcionista é sempre um extraordinário leitor, um
leitor de uma exigência estética, poética e literária, sem contemplações. Quem
não lê, jamais poderá vir a escrever alguma coisa que se distinga da
vulgaridade mais comezinha. E essa é a pecha da literatura e da poesia
angolanas na sua esmagadora maioria: os poetas não lêem, ou lêem pouco a grande
poesia do mundo que nos antecede e com a qual se aprende a escrever mais certo
no que ao que se tem para dizer a escrita fatalmente obriga. Sequer consultam
dicionários, ferramenta fundamental para qualquer pessoa que se proponha criar
obra literária.
Ler
é absolutamente fundamental para se poder escrever, não só sem erros
ortográficos ou com palavras deslocadas pelo seu significado real da intenção
do autor, como também na maior fluência e solidez que haverá na construção de
um pensamento, na sua exposição por escrito na prosa de ficção ou ensaística, ou
na formação da consciência necessária à limpeza implacável do que num verso ou num
poema está a mais e o embota de força reveladora e estética, tornando-o banal e
sem poder de resistência a uma releitura futura.
E
se é verdade que estas pechas se podem atribuir em grande parte a um ensino
frágil, desde a escola primária às universidades, ou à falta de bibliotecas e
livrarias no país, alguém que deseje realmente conhecer um pouco da grande
literatura do próprio país, desde a fabulosa literatura de transmissão oral à
poesia e ficção publicadas, ou do mundo (coisa que não é nenhum crime de
lesa-pátria, bem antes pelo contrário, será uma forma de mais identidade,
pessoal e colectiva, se fazer dar à expressão criada pela literatura de
invenção e pela poesia, através de uma sensibilidade mais apurada e exigente
por parte dos seus autores), tem hoje acesso ao que a internet oferece, havendo
lá de tudo, como sabemos, do péssimo ao intemporal. Bastará saber escolher e
fazer do acto de ler, não uma farra de palmadinhas nas costas, mas um acto objectivo
de prazer e de proveito cada vez mais exigentes.
Este ano, o Prémio
Novos Talentos da UCCLA (União das Cidades Capitais de Língua Portuguesa) foi
atribuído a um cidadão do Paraguai, ainda que residente no Brasil. O Zetho vê
isto de forma positiva ou é daqueles que defendem que o prémio devia abarcar
apenas nacionais de países do espaço de língua portuguesa, aquela que afinal
tem pouca expressão se comparada com a inglesa, a francesa, a árabe ou a
espanhola?
Creio
que o regulamento desse prémio exige que a obra concorrente seja escrita em
língua portuguesa, independentemente da nacionalidade do seu autor. Logo, não
me choca nada que seja um paraguaio ou um chinês a vencer o prémio, desde que a
sua obra não seja falha de qualidade, que, sendo objecto sensível de
discussões, posto se dizer ser subjectivo o gosto, a inequívoca qualidade de um
texto salta imediatamente à leitura. Como, de resto, a falta dela. A questão,
para usar uma expressão do poeta David Mestre, é não se ser «anterior ao
gosto».
Tem alguma obra em
carteira que venha a conhecer a luz em breve? Se sim, que género?
No
Brasil, onde tenho publicadas várias obras para a infância e juventude, há
vários livros que, dadas as circunstâncias sociais e políticas actuais, ainda
não foram publicados: A Galinha-de-Angola
Que Punha os Ovos no Telhado (poemas); Aqui
Há Dinossauro (conto); A Serpente Que
Dançava Para Mudar de Vestido (poemas); Relojoeiro
de Palavras (poemas) e os recontos, criados a partir de contos da tradição
oral angolana, Com o Cágado Ninguém
Brinca e A Filha do Sol e da Lua.
Ainda no Brasil, por falta de autorizações dos autores ou seus herdeiros, há
anos que está parada uma Antologia de
Contos Africanos de Língua Portuguesa.
Em
Portugal, deve sair ainda este ano a reunião da minha obra poética, um volume
de traduções de poesia, Transversões,
e algumas obras cujas edições organizei: Cartas
a Salazar e Outras Epístolas, de Raul Leal (Henoch); Paixões & Aventuras de Fernando Pessoa para Jovens Irreverentes,
de Fernando Pessoa (literatura juvenil) e a reedição da Obra Poética, de Luís Pignatelli.
Zetho
Cunha Gonçalves tem publicadas obras de poesia, nomeadamente
A palavra exuberante (2004) e Sortilégios da terra. Canto de narração e
exemplo (2007). Literatura infanto-juvenil: Debaixo do arco-íris não passa
ninguém (2006), e A caçada real (2007), ambos ilustrados por Roberto Chichorro. Traduziu O desejo é uma água, de Antonio
Carvajal. Organizou edições da obra de Mário Cesariny, Luís Pignatelli, António
José Forte, Natália Correia, Eça de Queiroz, Fernando Pessoa, e várias
antologias da poesia e do conto angolanos.
Foto: Cortesia (via facebook)
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