sábado, 26 de setembro de 2015

Diário | Pode sempre a dignidade ser maior do que o cargo

Entre as cenas que marcaram a minha mentalidade profissional, trago hoje esta. Num dia que não pode ser considerado belo, do distante ano de 1997, durante o meu curso de pedreiro no IED (Instituto de Estudos para o Desenvolvimento), estava eu na secretaria quando irrompeu um formador cujo nome não convém revelar. Era na verdade integrante dos cérebros da instituição, além de outros factores sociológicos que o tornam mais próximo do fundador da ONG. O formador, que por acaso era dos meus preferidos porque leccionava teoria (fui sempre preguiçoso a lidar com os braços), tinha em mãos um envelope. Toma, estou a pôr à disposição o meu lugar. A secretária não acreditava no que ouvia, eu também não, se me permitem a franqueza. Tinham acontecido coisas na relação com a liderança que a pessoa não podia aceitar, pelo menos enquanto lhe restasse um pingo de dignidade. Na verdade, ao longo destes anos de vivência testemunhei outros, com os quais só posso estar de acordo. Quando se tem noção do próprio potencial, quando a cadeira foi conquistada por mérito e não localizada com as nádegas (que na sociedade angolana metaforiza encandear os olhos do líder com elogios e conselhos que relativizam e até enobrecem o esquecimento dos ideais para o próprio benefício), pode sempre a dignidade ser maior do que o cargo. A propósito, volto a partilhar pelo toque de sátira que carrega uma experiência que li há uns tantos anos num dos semanários publicados em Luanda, que vinha à guisa de requiem à alma de um antigo governador do Banco Nacional de Angola, salvo erro. Dizia a crónica que imediatamente depois de apresentar a sua carta de demissão, aquele gestor veio a ser chamado para se justificar, afinal não é bem todos os dias que alguém coloca à disposição um tão prestigiado cargo, ainda mais nos primeiros anos do pós-independência. E aí, cedida a palavra, o homem teria dito: «Chefe, se estamos numa festa a beber uns copos e, já embriagados, o conviva mais próximo aponta para o chão ao mijar e me saltam para as calças umas manchas, pronto... ali, vou ter de sacudir e me ajeitar. Mas a partir do momento em que o conviva se põe a mijar directamente para as minhas calças, o que tenho a fazer é ir para a casa.» Dizia a crónica que o Chefe teria largado um inesperado sorriso, percebido a situação e procedido em conformidade.
Apoiado!, diria eu hahaha. Um bom dia
Gociante Patissa. Benguela, 26.09.15
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