Entre as cenas que marcaram a minha
mentalidade profissional, trago hoje esta. Num dia que não pode ser considerado
belo, do distante ano de 1997, durante o meu curso de pedreiro no IED
(Instituto de Estudos para o Desenvolvimento), estava eu na secretaria quando
irrompeu um formador cujo nome não convém revelar. Era na verdade integrante
dos cérebros da instituição, além de outros factores sociológicos que o tornam
mais próximo do fundador da ONG. O formador, que por acaso era dos meus
preferidos porque leccionava teoria (fui sempre preguiçoso a lidar com os
braços), tinha em mãos um envelope. Toma, estou a pôr à disposição o meu lugar.
A secretária não acreditava no que ouvia, eu também não, se me permitem a
franqueza. Tinham acontecido coisas na relação com a liderança que a pessoa não
podia aceitar, pelo menos enquanto lhe restasse um pingo de dignidade. Na
verdade, ao longo destes anos de vivência testemunhei outros, com os quais só
posso estar de acordo. Quando se tem noção do próprio potencial, quando a
cadeira foi conquistada por mérito e não localizada com as nádegas (que na
sociedade angolana metaforiza encandear os olhos do líder com elogios e
conselhos que relativizam e até enobrecem o esquecimento dos ideais para o
próprio benefício), pode sempre a dignidade ser maior do que o cargo. A
propósito, volto a partilhar pelo toque de sátira que carrega uma experiência
que li há uns tantos anos num dos semanários publicados em Luanda, que vinha à
guisa de requiem à alma de um antigo governador do Banco Nacional de Angola,
salvo erro. Dizia a crónica que imediatamente depois de apresentar a sua carta
de demissão, aquele gestor veio a ser chamado para se justificar, afinal não é
bem todos os dias que alguém coloca à disposição um tão prestigiado cargo, ainda
mais nos primeiros anos do pós-independência. E aí, cedida a palavra, o homem
teria dito: «Chefe, se estamos numa festa a beber uns copos e, já embriagados,
o conviva mais próximo aponta para o chão ao mijar e me saltam para as calças
umas manchas, pronto... ali, vou ter de sacudir e me ajeitar. Mas a partir do
momento em que o conviva se põe a mijar directamente para as minhas calças, o
que tenho a fazer é ir para a casa.» Dizia a crónica que o Chefe teria largado
um inesperado sorriso, percebido a situação e procedido em conformidade.
Apoiado!, diria eu hahaha. Um bom dia
Gociante Patissa. Benguela, 26.09.15
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