Nem corpo nem cor nem rosto. Apenas tinha um
nome e uma força superior aos nossos receios, aos nossos medos, ao nosso
direito ao sossego. Movia-nos, ainda adolescentes, para a desesperança, para
sonhar ao menos com metade do prato. Sim, chamava-se fome. Era o nome dessa
coisa que nos levava ao porto do Lobito, corria o ano de 1995. O porto costuma
ter um pouco para cada um. Adolescentes fugidos da escola, uma vez no recinto
portuário, onde não éramos para já bem-vindos, usávamos do arrojado inglês em
busca de milagres, um dos quais um agente da autoridade migratória. Iniciava um
diálogo em inglês, mas dominava uma linguagem ainda melhor, a que lê o estado
de alma. Numa inesquecível eficácia, usava da sua influência para, junto de
navios, conseguir qualquer coisa e com isso aliviar a fome com alguns
quilogramas de peixe fresco. Sempre que precisar, meu puto, estou cá para isso.
E era de graça. Cada encontro promovia o adolescente a provedor da refeição na
família, com um agregado nunca inferior a dez. Voltei a ver hoje o agente, já
fora da corporação. Ainda a mesma postura atlética, português caprichado, mas
com indisfarçável suor do peso da vida. Voltei a dar-lhe qualquer coisa, um
nota de dois mil kwanzas. O que no momento tinha. Será sempre pouco.
Gociante Patissa, Benguela 14.05.15
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