Falo poucas vezes ao telefone. Por mim, até falaria ainda
menos, mas, enfim, escapar é difícil numa sociedade "dependente"
(qual droga) do telefone.
Não é que tenha algo contra a comunicação, não, pois até
tenho um activo bicho da comunicabilidade. O que me incomoda é dar-se ao
telefone um estatuto passível de fazer tábua rasa a outras práticas e valores.
Por exemplo, o senso comum indica que as 24 horas do dia
estão mais ou menos repartidas em três blocos, sendo oito para dormir, oito
laborais e oito para desfrutar. Isso faz sentido, de tal modo que ninguém vai
bater à porta do outro às altas da noite para saber de questões laborais,
salvas as justificadas excepções. Era assim até surgir algo chamado telemóvel.
Já não há espaço temporal privado. E nisso, as operadoras
de telefonia móvel "ajudam" com as suas campanhas de chamadas
pretensamente grátis da meia-noite às cinco da manhã ou os planos mensais. E
quem é que ganha de verdade com isso? O especialista em otorrinolaringologia.
Há ainda aqueles casos de estarmos sempre alegadamente às
pressas (o que nem sempre é bem verdade). Aí, a pessoa saúda-te, diz que
precisa de falar contigo e que... vai ligar mais tarde. Podia muito bem falar
naquele instante mas, para não variar, deixa tudo para tratar ao telefone, mais
tarde, altura em que tu poderás estar a conduzir, a ler, a conversar ou
reunido. E se não puderes atender é uma zanga a caminho.
Para quem como eu trabalha em aviação, até de madrugada
ligará sempre alguém, como se levássemos o balcão de atendimento para casa.
Outra coisa que me incomoda é a tendência de anular o sentido da palavra, que
de tão nobre vinha sendo ao longo dos séculos um indicador de bom carácter e
educação de familiar.
No outro dia, no final de um pequeno curativo, pedi ao
enfermeiro que marcasse a hora para a sessão seguinte. E ele de facto marcou,
mas "olha, antes me liga para confirmar, o meu número está mesmo no cartaz
à porta". Mas, caramba, pensei cá comigo, se isto é uma instituição com a
natureza que tem, por que raio teria eu de telefonar para o enfermeiro, quando
já chegamos a acordo quanto ao horário? E a palavra, o sentido de compromisso
não servem? Ocorreu-me logo uma imagem institucional de desorganização.
O telefone, fixo ou móvel, é um importante meio de
comunicação, do mesmo modo que o são a carta em papel, o correio electrónico e
qualquer outra forma de interacção. Nem um pouco mais nem um pouco menos. Em
pequeno, passei muito tempo a desempenhar o papel de carteiro do meu pai, muito
dado a comunicar-se com familiares e inclusivamente com individualidades
ligadas ao seu trabalho. Não tivemos telefone em casa e nem por isso faltava
ele à comunicação.
Gociante Patissa, Benguela 28.05.15
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