O segurança, o mais simpático do ponto de rastreio, olha para o meu cabelo (despenteado e encaracolado, é assim que gosto), camisa desabotoada sobre a t-shirt, calças entre o formal e o casual e atira: já viveste na África do Sul? Ainda não, respondo-lhe meio a sorrir. Ainda não, quer dizer, esperas viver? Ao que completo: se a tua embaixada quiser patrocinar uma bolsa... Poucos minutos depois, vejo-me obrigado a regressar, receando ter-me esquecido de entregar um documento. É rápido e estou de saída. Meu velho!, chama-me o simpático segurança, para o meu susto de quem evita ao máximo problemas consulares. Sim? Deixa então um saldo, velho. Ah, é isso? Não tenho. Não vês como estou a transpirar, por andar a pé? Desta vez puxei ao máximo o meu auto-domínio para não ser como da outra vez a reacção instintiva. É que ontem, sobre o passeio, quando por um triz me ia atropelando um rapaz de motorizada, a minha reacção imediata foi pedir desculpas. Ou seja, um cidadão, a pé, quase atropelado no passeio. Não duvido que o motoqueiro tenha dito, bem ao jeito angolano, não há makas. Só passados os instantes de choque é que me dei conta do contra-senso: alguma coisa vai mal na sociedade, do ponto de vista valorativo, quando temos de pedir desculpas por estarmos certos. E cada um de nós é, volta e meia, carrasco e vítima ao mesmo tempo. A corrosão de valores, um mal que se repete e se não corrige, faz-se passar no subconsciente por regra.
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