Texto e foto: Semanário Angolense, edição 548, Luanda 27/09/14
O desaparecimento do
«K» das palavras de origem angolana, sobretudo no que diz respeito aos
topónimos (nomes próprios de localidades), tem gerado muitas discussões. Kwanza
Norte, Kwanza Sul e Kuando Kubango, por exemplo, que depois da independência nacional
passaram a ser escritos com «K» em vez do «C» imposto pelo regime colonial
português, voltaram a ser escritos como antes por determinação do Ministério
da Administração do Território.
Na opinião de António Fonseca, renomado escritor angolano, numa
entrevista concedida ao Semanário Angolense, publicada no essencial na sua
última edição, «o ‘K’ tem de voltar a ser colocado ali onde parece que querem
retira-lo». «Porquê desapareceu?», questiona o também economista e professor
universitário da Faculdade de Letras da Universidade Agostinho Neto.
No entender do escritor, diante dessa polémica, «quem defende
que tem que escrever com ‘C’, está muito equivocado», já que «se as outras
palavras do português mantêm os seus radicais, nós temos o direito e o dever
de manter os radicais das palavras com origem nas nossas línguas». Aos seus
olhos «é claro que (essa palavras) se vão adaptar à norma, mas tem que
respeitar a sua história».
Ele não leva em conta o ponto de vista dos que defendem o uso do
«C» no lugar do «K», por se tratar da Língua Portuguesa e deve ser usada como
ela é. Em contraponto, António Fonseca replica que «o Português não é uma língua
morta; é uma língua viva. Então temos que ter a nossa matriz».
Na opinião de António Fonseca, o desaparecimento do «K» nos topónimos
«é uma espécie de recuo» perante o avanço que foi a proclamação da
Independência Nacional, ocasião em que conquistamos o direito de ser
soberanos.
«Digo isto com responsabilidade própria e pessoal», sublinhou,
antes de questionar: «Porque é que vamos querer branquear o nosso português, se
o nosso português tem as nossas características inegáveis e impossíveis de
negar?». Admite que a tentativa de «branquear o Português» é preconceituosa.
«Só pode ser! Não tem outra explicação!», exclama.
E a exclamação de professor é maior ainda quando imagina que o
fenómeno da retirada do «K» pode atingir até o nome da moeda nacional. «Vão
querer escrever também com ‘C’? Só espero que isso não aconteça, senão, é
melhor usar o escudo português da antiga colonia», reclamou.
Fechando o capítulo da discussão sobre o uso do «K», António
Fonseca foi veemente na réplica conclusiva: «Nós temos que ter, meus senhores,
a ambição de reclamar aquilo que é nosso contributo ao imaginário e ao universo
da língua portuguesa. Isso não se faz com essas concessões. Não! Tem que ser
com ascensões».
Continuando na defesa da sua visão, o escritor explanou: «A
escrita decorre de convenções. E quem faz as convenções são os homens. Se esses
sinais não existiam na convenção anterior, que as revejam. Porque temos que
incorporá-los e os académicos vão ter, mais tarde ou mais cedo, que aceitar
isto. Porque, quando nós não fazemos isso, o sentido das palavras perde-se e a
mensagem não passa».
Um outro aspecto da língua focado nessa conversa com o escritor
António Fonseca prende-se com a grafia e pronunciação de nomes em línguas
nacionais, pois ouve-se grande parte de muitos desses nomes sendo pronunciados
de maneira errada em relação ao entendimento que eles pretendem passar, ou o
significado que eles têm.
O professor mencionou como exemplo o nome de um seu colega -
Vatomene. «Não é Vatomene. É Vatómene. Quer dizer ‘algo de bom’. Se estamos no
contexto da Língua Portuguesa, então vamos pôr um acento no ô de Vatomene, que
assim o nome dele vai ser pronunciado correctamente. E a mensagem vai passar».
António Fonseca explica que «às vezes é um acento que resolve o
problema para indicar que ali se deve pronunciar com acentuação». E cita
outros exemplos dessa espécie.
«Temos o João Lusevikueno. Se se escrever só com um S, como ele
tendo valor de Z entre duas vogais, o nome será pronunciado de maneira errada.
Para que seja pronunciado de maneira certa deve ser escrito com dois SS –
Lussevikueno (podem alegrar-se)».
Esclarecendo mais sobre esse assunto, o escritor disse que «nós
temos de encontrar um sistema de grafia que conserve os valores culturais
intrínsecos ao próprio nome - essa é que é a questão!».
E advertiu que «o fundamentalismo dum e doutro lado aqui não resolve»,
referindo-se aos conservadores da Língua Portuguesa e os seus semelhantes das
línguas nacionais.
Ao fim de quase uma hora de conversa com o nosso interlocutor,
depois de uma incursão por vários assuntos ligados a cultura angolana eis que
António Fonseca, um homem falante com muito pra ensinar, ainda deixa um recado:
«Porque é certo que estamos na época da globalização e o importante é que nós
aspiremos a ter um país moderno e próspero mas na nossa condição de angolanos.
E isso é feito na nossa condição cultural».
0 Deixe o seu comentário:
Enviar um comentário