Vejo-o passar, ainda hoje durante as horas
vagas dos meus olhos, naquele jeito seu quase caricatural, quarenta e alguns
aniversários, calças largas - por talvez lhe faltarem trocos para o alfaiate,
profissão cada vez mais rara por cá. Andava de cima a baixo, seus sapatos -
deformados, de tão experientes - parecendo terem a sola feita de pó. Em mãos, um
monte de papéis pouco dados à harmonia, pois bastava um pouco de vento para se
meterem a voar. Parecia empenhado em constituir o núcleo
sindical, não deixando de soar estranha a insistência no encontro com o patrão
e as visitas às horas próximas ao refeitório. Falava da Lei (geral do
trabalho), aquele amontoado de artigos entre a autoridade e boas intenções que,
de tão geral, nada podia contra despedimentos arbitrários onde qualquer greve
evolui para ilegal logo que comece. E no fim desta, a selectiva vassourada.
Ainda o vejo, tantos anos passados, de bigode farto, peito erecto, mas já sem
tanta graça, direi. Sapatos quadrados, briefcase e até um carrito de quarta
mão... da mesma marca, modelo e série que outros cedidos por abate pelo
patronato. Qualquer percentagem, tanto não anula, como é sempre mais proveitosa
que o um porcento cascado ao proletariado. Como dizia um memorável instrutor,
"as instituições não existem senão em função das pessoas que as
representam." Viva o sindicato!
Gociante Patissa, Benguela 29.09.14
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