Sinto-me constrangido, quando oiço pronunciamentos de alguns elementos da classe jornalística que ainda defendem a ideia segundo a qual “ quem faz rádio deve falar como branco”. Se calhar não tanto culpados, porque são frutos de uma época em que tal conceito era, na verdade, um cânone.
Mas o conceito supra-referenciado põe em causa um dos princípios da linguística que defende a variação da língua nos seus diversos domínios onde a fonética não é excepção. Ora, entenda-se como variação fonética a forma de fonação de palavras que caracteriza uma determinada região, isto no sentido lato, ou mesmo a maneira peculiar que cada indivíduo realiza os sons da língua. (Cfr :MATEUS M. Helena Mira et all O Essencial Sobre Linguística).
Por exemplo, na palavra «rádio» o primeiro som
[r] é, normalmente, realizado de forma mais uvular no português europeu, ou
seja, em linguagem terra a terra, é mais produzido na garganta, repito, para os
europeus, salvo algumas excepções. Mas a esmagadora maioria do português não
europeu, com realce ao africano, realiza-o de forma mais vibrante, isto é, a
língua vibra e toca nos alvéolos. Podíamos apresentar aqui um número sem fim de
exemplos na vertente da variação fonética, mas parece-nos o suficiente para dar
uma ideia.
Isto mostra-nos que apesar de pertencermos à mesma comunidade linguística, não falamos a língua de forma igual. Por isso, não vejo as razões de prevalência daquele conceito de fala em rádio que mais se revela como discriminador e com pendor ainda de alienação. Devemos compreender que o angolano tem uma forma própria de falar que é tão válida em termos comunicativos quanto a forma do português, do brasileiro e outros. É altura dos meios de comunicação social, que por sinal são também elementos de normalização da língua, compreenderem isto e ajudarem na consolidação de um português mais angolano. Não estou a defender que se fale disparates, que se atropele princípios gramaticais, que se cometa erros de pronúncias. Mas as particularidades de realização fonética decorrentes das tais variações a que me referi, deviam ser respeitadas.
Portanto, é altura de começarmos a olhar para alguns conceitos de forma mais ponderada para que não venhamos a cometer excessos. Não podemos exigir que um angolano fale como um lisboeta. É certo que a língua tem um padrão, mas no domínio fonético o padrão parece não ter padrão pelo facto de se tratar da oralidade e é essa oralidade mais rapidamente susceptível a variação principalmente quando a questão é a realização pessoal da língua a que os linguistas chama de “Fala”.
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