domingo, 24 de fevereiro de 2013

HEBRAICO, UM IDIOMA DE «SETE VIDAS»

Placard na praia do Mar Morto
Daniel Victor, In «Semanário Angolense», pág. 44-45. Edição 503, 23/02/2013

Natural do Brasil, Maria Ribeiro (nome fictício) tem nacionalidade israelita, prerrogativa que as autoridades levam a cabo para estimular o regresso de judeus espalhados pelo mundo. Na casa dos 60 anos de idade, a bióloga aposentada dedica-se à tradução de textos do português para o hebraico, e vice-versa.

«Não é um idioma nada fácil! Vim aqui com trinta anos, mas ainda hoje preciso que um amigo faça correcção das coisas que traduzo. Não me sinto tão segura como no português», confessa a nossa interlocutora.

Seria tautologia dizer que o hebreu é a língua predominante na terra hebraica, mas tal realce tem justificação, já que deixou de ser falada por volta de 200 E.C., relegada que foi ao papel residual, digamos assim, na liturgia, na filosofia e na literatura dos judeus.

De acordo com dados da página oficial da Embaixada Israelita em Angola, foi no limiar do século XIX que o hebreu se viu reconhecido como idioma nacional pela Administração do Mandato Britânico, ao lado do inglês e do árabe.O movimento de renascimento nacional, encabeçado pelo escritor Eliezer Ben-Yehuda (1858-1922), via assim recompensada a sua luta, quer com o fim do sionismo político, quer com a ascensão ao estatuto de idioma das instituições judaicas e de seu sistema educacional.

Aliás, Ben-Yehuda coordenou boa parte dos 17 volumes que conformam o Dicionário Completo do Hebraico Antigo e Moderno, iniciado em 1910 e finalizado por sua família em 1959. De oito mil palavras no vocabulário dos tempos bíblicos, a língua viria a alargar-se para mais de 120 mil. Não sendo por mero acaso que o hebreu se impõe em tempos modernos num país com menos de dez milhões de habitantes, é fruto de um investimento cuidado. A par da Academia da Língua Hebraica, fundada em 1953, é relevante o papel do Instituto para a Tradução da Literatura Hebraica, criado em 1962.

Os primeiros escritores nascidos no país começaram a publicar na década de 1940, marcando a «geração da Guerra da Independência», da qual fazem parte S. Yizhar, Moshe Shamir, Hanoch Bartov, Haim Guri e Binyamin Tammuz.

Contudo, só quatro décadas mais tarde a literatura hebraica viria a conquistar fama internacional, através de nomes como Aharon Appelfeld, David Shahar, David Grossman e Meir Shalev, movidos pela crença de que a literatura capacita os leitores a uma melhor compreensão de si mesmos, individualmente ou como parte do meio ambiente.

Olhando para as características do Novo Sheckel de Israel (Nis), como passou a chamar-se a moeda do país hebreu a partir de 1985, encontramos na nota de 50 Nis a efígie do Prémio Nobel da Paz em Literatura 1966, o escritor Samuel Agnon. Está também um poema de intervenção em hebraico, extracto do seu discurso de aceitação do prémio.

Num país marcadamente religioso, haverá com certeza vozes discordantes quanto à presença de tal poema com palavras sagradas, sabendo que o dinheiro é passível de ser usado em transacções escusas. De qualquer modo, não deixa de ilustrar a elevação que a poesia mereceu das autoridades, um tributo ao valor da literatura para a humanidade.
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