segunda-feira, 12 de setembro de 2016

Diário | Estás armado em homem?

(Último): “Então, parentes! Está tudo bem? Até é pergunta estúpida, essa saudação, né? Então como é que na sala de espera do consultório do doutor, vou pergunta se está tudo bem?!”
(Antepenúltimo): “Não liga isso… Português custa…”
(Último): “Éh, pá. Me falem ainda uma coisa, você é que o último da fila?”
(Penúltimo): “Sim.”
(Último): “Você o primeiro, né”?
(Antepenúltimo): “Correcto.”
(Último): “Então estou quase. Mas aqui não demoram muito atender, né? O doutor já chegou?”
(Antepenúltimo): “Meu mano, vai com calma, não gastes as perguntas de uma vez. Vamos ter tempo. Nós aqui, duas horas sentado… Até as nádegas estão já anestesiadas.”
(Último): “Parece que morrer cansa menos, ya? Os médicos afinal são porquê assim?”
(Penúltimo): “Os médicos e os advogados. Parece que a licenciatura deles vale cinco vezes. Eles só são licenciados tipo eu. Como se já não bastasse lhes chamar de doutor, é secar à espera.”
(Antepenúltimo): “Aí falaste! Viver é lixado, ya?”
(Último): “Mas o que é que vos trás aqui, meus manos?”
(antepenúltimo): “Assim estás a perguntar como?!”
(Penúltimo): “A minha situação – não é ser mal-educado – só eu e o médico é que sabemos …”
(Antepenúltimo): “Eu também…”
(Último): “Não fiquem mais com vergonha. Todos aqui somos homens.”
(Penúltimo): “Se é que ainda somos, né?… Meu! Lá em casa, ultimamente estou a tirar muitas negativas com a tua cunhada. O clima mesmo é aquele, mas o veio vai abaixo…”
(Antepenúltimo): “Meu problema é igual. A tua cunhada até gastou o vencimento só em lingeries, batom da cor do fogo, almofada de pétalas, mas eu entro em campo e… nada.”
(Último): “Será que é resto da febre-amarela? Não é possível, meu…”
(Antepenúltimo): “Mas em 2011 também já me aconteceu.”
(Penúltimo): “É verdade, até eu.”
(Último): “Também com vocês foi um ano antes das eleições? Pronto, eu sabia!”
(Penúltimo): “Como assim, ‘eu sabia’, compadre?”
(Último): “Quando estou na cama, hã!, aí me passa na cabeça um comício de 1992, o maior discurso do grande candidato, vês? Cheirava a victória, no fim perdemos. Aí baixa a potência...”
(Penúltimo): “Comigo é igual afinal. Candidato que falas é o velho Holden Roberto, né?”
(Último): “Qual Holden, pá?! Alguma vez fui de comer macacos como vocês do norte?! Falo do velho Savimbi. Aquilo foi campanha, sócio! Só cada discurso!... Olha, eu no um para um com a tua cunhada, era pilotar até à lua. Estes dias, o avião só cai mesmo ao lembrar a campanha…”
(Penúltimo): “Também não precisas ofender, ó seu bailundo traidor! Estás armado em homem? Nem uma simples esposa consegues satisfazer em condições.”
(Penúltimo): “Possas! Um gajo fica aqui a se abrir até das vergonhas de macho, a pensar que fala com camaradas, afinal são adversários que podem tirar proveito do ponto fraco? Por isso é que nas urnas vos demos surra! Se preparem, a campanha já começou. Vão levar, hã! Faz favor, vamos sentar com uma cadeira de intervalo. Adversários políticos não se misturam, OK?”
(Último): “Adversários ou meio-homem? Aliás, se o teu partido é governo, estás connosco atrás de reabilitação do pai das crianças porquê? Serias já a tal turbina da felicidade. Ou não?”
(Penúltimo): “Não vos conto, meu! Fui sempre director. Pensava assim: daqui a pouco administrador e um dia, quem sabe, presidente. O grande discurso do engenheiro Zédú dizer que quem ganha as eleições é que governa… Mas assim que veio o 2002 da paz é como? Ah, as habilitações do camarada são poucas, vai de bolsa aumentar os estudos?! E o cargo? Ficou lá alguém do governo de reconciliação nacional. Logo um proveniente! Haka! As eleições estão aí, eu no estudo é só reprovar… Enfim, nem com osso rinoceronte aquilo levanta…”
(Antepenúltimo): “Mas não se vendem protectores abaixo da cintura para campanhas?”
 Gociante Patissa. Benguela, 12 Setembro 2016
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