Viver, na sua acepção de existência humana, é conviver.
Desde logo porque nascer já pressupõe um homem e uma mulher, aos quais ficamos
a dever a fecundação. E cada um ajusta-se ao núcleo familiar que lhe calha na
rifa da consanguinidade. Quanto a isto, pouco mais há a acrescentar.
Que tal se pudéssemos escolher vizinhos ou quem vem ou
deixa de vir morar eventualmente no nosso bairro? Mas por que nos importaria a
relação de vizinhança? Ora, naturalmente por sermos seres sociais. Isso nem o
século 21 e o seu paradigma do muro alto conseguem alterar de todo. Provavelmente
vai-se cada vez menos à casa da vizinha pedir um pouco de sal, fósforo ou
açúcar. A vida está difícil para todos, por um lado, e também, por outro,
porque tem havido nas duas últimas décadas mais emprego, com a função pública a
absorver a maior fatia estatística da força de trabalho.
Para mim, a sociedade angolana (do individual ao colectivo
nos meios urbanos e grandes cidades) tende a progredir à velocidade da
globalização e consumo desenfreado do último grito e topo de gama, menos no
elementar: na qualidade de vida. Falamos em educação, civilizados, estudos,
moda, por tudo e por nada, mas praticar isso de forma combinada na banal
relação quotidiana é que são elas. A alteridade, o princípio universal de que a
existência implica não apenas "eu" mas também "o outro",
devia ser mais inculcada. Isso implica um exercício permanente de fazer
opinião/consciência de cidadania, mas também uma vertente coerciva.
Nos últimos dias tenho-me insurgido com o abuso praticado
pela lanchonete Petisco da Ilha, no bairro Kioxe, Benguela, pois de quinta à
segunda-feira realiza karaoke com o som muito alto e aquela animação aos berros
pelo microfone até depois da meia-noite. Tão nocivo à saude. E ninguém parece
incomodar-se. Por vezes, a reivindicação depende de "quem" é o
visado. Não sei bem se é o caso. A lógica pelo menos parece ser a de que a
alegria de uns pode ignorar as necessidades de outrem, como a do sossego de
quem cedo sai para trabalhar.
E aquilo que me chega por alto é que a fiscalização é
competência da Direcção Provincial da Cultura, que obviamente está desprovida
de competência técnica e humana para um tal papel. A polícia,
"absolvida" à sombra de uma lei da década de 1980, como consta, nada
faz, nem já aconselhar. Se calhar espera que surja uma situação de agressão
para depois vir com aqueles apelos tardios e de só castigar a vítima. O pior é
que geralmente quem tem aparelhagens de som é alguém viajado, que infelizmente
não aprende o que de bom se faz lá fora, na Namíbia por exemplo, onde a polícia
age imediatamente.
E quando penso nisso, rebusco o quadro complexo de
desintegração social que testemunhei em Miami, Florida, nos Estados Unidos da
América em 2010, onde as famílias de ascendência europeia (caucasianas), que
detêm o maior poderio económico, preferem ir viver para as suas fazendas,
abandonando a confusão das grandes cidades. Em consequência, agrava-se ainda
mais a segregação entre brancos, hispânicos e negros, falando de segmentos mais
representativos. Apesar de tudo, não posso censurar a opção do isolamento. É
caso para dizer que afinal também podemos escolher quem queremos para nosso
vizinho, basta haver dinheiro em fartura.
Na ausência do bom senso, resta-nos a factura de um cada vez
mais insuportável preço da socialização. Como diz a amiga Slaia, à grande
maioria "só falta a coragem de sentir a dor".
Gociante Patissa, Benguela 02 Setembro 2016
www.angodebates.blogspot.com
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