É um destes estabelecimentos privados cujo
fecho de portas por falência representa uma amputação colectiva dos munícipes
que ali acorriam para adquirir vestuário e calçado de uma linha que não alcança
bem o padrão de qualidade ocidental, mas também não chega mentir tanto quanto nos
habituou a generosidade chinesa do custo por produto.
Na verdade, já há coisa de uma semana ou talvez
pouco mais que vinha pensando em garimpar novidades, depois de ver a porta entreaberta e alguns
homens com cara de cimento e tijolo entrando e saindo pela meia-porta.
Devo antecipar-me em reconhecer e possivelmente
esclarecer que não há nada de extraordinário no verbo passar, quando o sujeito da
frase neste caso sou simplesmente eu. Todo o mundo por ali passa e nem por isso
fazem do facto objecto algum de notícia. De facto, não é por aí que o mar vem à
terra. A rua é principal, a loja do árabe fica mesmo na berma ali em cima do
cruzamento. Além do mais, já vai para aí um ano, se não mais, que aquilo fechou
as portas ao público. Ao público e aos funcionários, diga-se. Parece que nem as
moscas sequer conseguem entrar, de tão bem encerrado que ficou.
Diz-se por aí, o que também não exige dupla
confirmação, de tão evidente, que o comércio ficou acometido pela endemia da
evaporação das divisas, e não há o que dividir sem divisas. O coitado do
comércio asfixia sem ter dólares para bombear as artérias da importação; que o
libanês alheio deve ter trocado o nosso solo por um qualquer destino distante
da crise económica em termos mais directos, por uma garantia de previsibilidade.
Estou em crer que isto é o que mais deve haver para quem dorme e acorda
ruminando leis de mercado.
Mas como ninguém nos proíbe de respirar a esperança,
inalei uma boa quantidade dela quanto a uma possível reabertura da loja, mesmo
até porque, à parte as portas trancadas e a vitrina opaca de jornais velhos, no
resto da identidade visual tudo se mantinha intacto. As cores, a enorme placa
do letreiro. Então, mas o que andarão os homens a fazer neste entra e
sai mais ou menos discreto? Estarão em retoques de recomeço? Perguntaria você. Não,
mano. Vai ser igreja. Igreja mundial.
E pronto. Despedi-me do meu interlocutor, jovem
ajudante de pedreiro, com um misto de desilusão e ao mesmo tempo comemoração. Afinal
nem tudo vai mal. Ao menos a importação de missionários, brasileiros, não ficou
afectada. Há sempre um segmento industrial que sobreviva. Há sempre quem queira
comprar. E a fé até vende muito bem…
Gociante Patissa, 29 Setembro 2016
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Acontece um pouco por todo o lado. Depois, a fragilidade do povo, vai a traz da moda!
Abraço
É verdade. Uma grande pena, amigo Manuel Luis
Retribuído abraço
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