Texto e fotos: Gociante
Patissa
Texto e fotos: Gociante
Patissa
Num
encontro casual mas que acabou sendo uma oportunidade ímpar de abordar os
desafios ligados à vida artística, o Blog Angodebates manteve, na quinta-feira
(11/06), uma conversa descontraída com Rui Lavrador e Cristina Mota, o casal de
executivos que um dia decidiu dar azo a uma revolução interior, abdicando dos respectivos
empregos no ramo da gestão empresarial, para se dedicar apenas à produção de
artesanato. A conversa iniciou na esplanada de um dos restaurantes à Praia
Morena e culminou com a visita às peças expostas na “Galeria34”, no mercado Kero,
Benguela.
Um novo começo
O
par Rui Lavrador (natural de Luanda, 1959) e Cristina Mota (natural do Huambo,
1962) encaixa-se no padrão comum de gente profissionalmente realizada, afinal
têm formação e experiência, não só em Angola, mas também com passagem pela Europa.
Só que falou mais alto a ruptura em busca da realização imaterial, já lá vão dois
anos.
“Ricos?
Com a idade que temos, já não acalentamos esta possibilidade. Rico é-se aos 30.
Disse então: não! Vamos ter uma rica vida, fazer o que queremos e desfrutar do
que fazemos. Queríamos ser ricos à nossa maneira. De forma que quando viemos para
Benguela, viemos com este propósito. Despedimo-nos das empresas onde estávamos
e arriscamos”, conta Rui, fazendo alusão ao modo agitado de vida na capital do
país.
É
uma decisão um pouco radical, não? À nossa provocação, Rui foi peremptório: “É,
e com alguma coragem! Estamos já na casa dos 50. Sabe que são decisões que
muitas das vezes nem os jovens tomam. Ponderam”, frisou, para logo acrescentar:
“Decidimos que Luanda já não era sítio para vivermos, não tinha qualidade de
vida.” E como os holofotes do mercado tendem a incidir sobre a música, a dança
e alguma literatura, quisemos saber se no artesanato a clientela satisfaz. Quanto
a isso, Cristina não tem dúvidas: “Satisfaz! Tem sido muito boa. Acho que até
ultrapassou as expectativas”.
Embora
tendo nascido no Huambo, foi na cidade do Lobito que Cristina viveu a sua
infância. E ao longo destes anos, o casal vinha cá passar o fim-de-semana sempre
que as folgas laborais o permitissem. “Numa dessas viagens, compramos umas cabaças
no Kwanza-Sul. E começamos o nosso trabalho manual aí. A Cristina já tinha
algum passado nessa área porque, nos tempos disponíveis, ia transformando chinelas
em um fim qualquer. Começamos a fazer as cabaças decorativas, as pessoas
gostaram e nasceu aqui a ideia de ir desenvolvendo o trabalho artesanal e a
nossa habilidade”, lembrou Rui.
Projecto Artesanato Angola CR
e a transposição dos indicadores de forma
Inscrito
na União Nacional dos Artistas Plásticos (Unap) e na representação do
Ministério da Cultura em Benguela, o projecto “Artesanato Angola” tem obras
expostas em galerias e unidades hoteleiras nas províncias de Benguela, Kwanza-sul
e Luanda. Huila é o próximo passo. Outro reconhecimento relevante prende-se com
a presença na Expo Milão, Itália, com obras requisitadas para o pavilhão de
Angola.
“Temos
vendido essencialmente para cidadãos nacionais – têm sido os nossos principais
clientes –, a alguns estrangeiros. Temos recebido muitas solicitações para o exterior.
Daí que nós, nos próximos meses, possamos vir a dar andamento a projectos que
já temos em mente, que era o desenvolvimento de uma escola de formação
profissional, com toda a disponibilidade, desde o início, manifestada pelo
Instituto Piaget", disse Rui.
Com
a estética assente numa constante reinvenção e até mesmo transposição dos seus
próprios indicadores de forma, onde fragmentos da natureza morta renascem, por
exemplo, em simbiose com dispositivos eléctricos, as obras deste projecto remetem
o apreciador à sensação de “rio sem margem” (se o leitor nos permite cabular o escritor Zetho Cunha Gonçalves).
“Nós
estamos classificados pela Unap como artistas plásticos. Também nos consideram
escultores. Aqui em Benguela, obtivemos na Cultura o certificado de artesãos. Obviamente
esses títulos nunca foram coisas que nos preocupassem muito. Queremos é trabalhar
dentro da legalidade”, defende Rui Lavrador.
E
quanto ao nome Artesanato Angola CR,
Rui declarou que nasceu pela facilidade de posicionamento nas redes sociais e
por ser também um objectivo incentivar os artesões a perceberem que há caminhos
para além daquilo que têm feito até agora. “Trazemos uma visão do mundo, da
cultura lá de fora e é um testemunho que queremos passar a artesões locais que
não tenham beneficiado desta experiência de viajar, conhecer outras culturas. E
depois porque, de alguma forma, foram cilindrados pelo comércio da arte vindo
da Ásia (arte entre aspas, porque aquilo, de arte, não tem nada)", rebateu.
Este
ponto está ligado, aliás, à vertente honestidade intelectual, pois é fácil constatar,
nos nossos mercados, um amontoado de cópias à venda, quando o ideal de arte
reside em ser-se peça única. “Isso já passa pela Cultura. Porque a Cultura tem
que fazer o cadastramento dos artesões e tem que ter a certeza que aquela
pessoa que está ali é um artesão, que dali vai sair uma peça de artesanato. Quem
gosta de arte, quem percebe de arte, sabe ver a diferença entre uma réplica e uma
obra original”, asseverou Cristina.
Artesanato no Brasil representa dois por
cento do PIB
As
necessidades de apoio do projecto incluem ferramentas de trabalho, o fomento de
espaços destinados a trocas de experiência entre fazedores de arte, bem como a
bonificação dos custos de viagens, tomando em conta o volume e peso das obras. Mas
não há, como dizem, um constrangimento que não aguce o engenho. E porque de cumplicidade,
determinação e sonhos se faz a estrada de êxitos do casal, Rui e Cristina
ambicionam efectivar o sonho da escola de formação profissional.
“Pensamos
sempre e por aquilo que temos ouvido do que se faz lá fora. O Brasil tem a
maior indústria de artesanato do mundo, representa quase dois por cento do Produto
Interno Bruto, é uma soma de umas largas centenas de milhões de dólares por ano.
Emprega umas largas dezenas de milhares de pessoas”.
O
êxito brasileiro, segundo o nosso interlocutor, tem por base a constituição de
cooperativas, o incentivo ao trabalho do artesão, a canalização do trabalho
produzido para centrais que posteriormente distribuem para todo o território o
artesanato nacional. “O essencial nisso é a formação. Formar os jovens para
poderem desenvolver o trabalho sozinhos e criar fontes de rendimento para si e
para as famílias”, conclui Cristina.
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muito bom!, mereciam este destaque, são dois artesãos de primeiríssima qualidade.
Todo apoio é pouco, amiga Maria. A história deles é também inspiradora. Aquele abraço da sua Benguela
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