Atrasada e atormentada seriam as palavras precisas para descrever a expressão facial com que a agente se apresentou ao local de serviço. O peso da aflição dava-se mesmo a ver pelo rosto suado, como se o amoníaco do seu próprio organismo lhe quisesse renovar os quarenta e tal anos que o seu bilhete de identidade indicava. Tinha cara de sono, direi, que bem condizia com a patente de sargento. Ela entra, saúda, e a maioria aguarda tacitamente por uma justificação: «Estou avir da Técnica [de Investigação Criminal]», diz ela, para a empatia das cerca de dez pessoas na sala de reuniões. «Estás com problema em casa?», indaga um dos presentes. «Yeah, tenho lá um sobrinho. Esses dias, não temos sono por causa do processo. Está preso com uns amigos», continua a sargento, sempre seguida pelo silêncio de solidariedade dos demais. «Pegaram à força uma moça do bairro». Dito isso, os rostos parecem desfazer a empatia inicial, como quem diz «bem feito!», o que veio a piorar quando a agente trouxe cá fora a voz da sua alma: «Mas a moça também já não era virgem, é mãe de dois filhos até…» O repúdio à verbalização da lógica da agente não podia ser mais colectivo. Violação é violação. Não é pelo tipo, é pelo acto.
Gociante Patissa, Lobito 23.01.2013
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