Em
matérias de vídeo segurança, ponto cego é o local ou ângulo que não pode ser
alcançado pela lente da câmara, representando como tal vulnerabilidade por
estar fora do controlo. É neste sentido que o conceito é para cá trazido.
Ouvi
em tempos um artista angolano euro-descendente dizer em entrevista, a partir de
Portugal, que o africano era o povo mais generoso e tolerante do mundo. Entende
que ao fim de vários séculos de exploração, humilhação e outras atrocidades da
escravatura e da colonização, o africano guarda como seus a língua e o Deus do
opressor.
Estatísticas
dispersas estimam que 80% da população angolana é cristã, maioritariamente católica.
Ou seja, passamos a conhecer o mundo sob a educação cristã, conflituando às
vezes com aspectos mais sagrados da nossa matriz identitária.
Quando
alguém, enlutado, diz que Deus é contraditório por permitir a morte – quantas vezes
prematura e sofrida – de quem mais não fez em vida senão o louvar, a reacção
imediata dos cristãos à volta é tendencialmente sair em defesa de Deus. No fim
do longo palavreado, acabamos por dar em algo de meramente opinativo. Quer dizer,
não podemos criticar Deus porque a pessoa ao lado acha que não podemos.
Quer
dizer, os cristãos rezam pela vida de alguém, acreditando na generosidade e no
poder de milagre de Deus. Depois, se este Deus não leva em consideração as
súplicas, os mesmos cristãos estão a louvar a vontade de Deus, argumentando que
a alma foi descansar no paraíso. Ora, se assim é, porque razão andaram a pedir
a cura do irmão?
Desde
cedo que herdamos dos pais e da comunidade o “culto de personalidade” ao ser
abstracto, Deus. Pelo que corre bem, Ele é grande; se a coisa corre mal, o
homem é pecador, eis o culpado! Entretanto, o omnipresente e omnisciente, levando
a coisa ao pé da letra, permite que a sua criatura, o ser humano, destrua. Será
para engrossar o tamanho da sua ira e o tão falado juízo final? Diz-se que se, cansado
de destruir, esse homem se arrepender, passa-se uma tábua rasa sobre o pranto a
outrem.
Há
um hino que sempre me intrigou durante os anos que andei no grupo coral da
igreja evangélica da maioria da minha família. Nunca ficou claro se era para
ser uma interrogação, ou uma afirmação, dada a subjectividade interpretativa de
textos cantados. Dizia assim: “Eu sei que
Deus é imensamente bom/ Deus é a fonte de amor/ Deus é a fonte da misericórdia/
Porque aceita que os seus fiéis tenham aflição/ e calamidade/ oh meu irmão/o
pecado nasceu a morte/ a traição/entre o homem e seu irmão”. Era mesmo para dizer que Deus é bom por aceitar que fiéis tenham aflição?
Não
tenho experiência de outras culturas para estabelecer um paralelo quanto à
forma de culto a outros Deuses, provavelmente não cristãos, monoteístas ou não.
Sei que com os muçulmanos ocorre algo similar. Quer dizer, é passar a vida
inteira a adular um ser, e imediatamente adoptar um discurso paternalista quando
algo escapa à compreensão.
Gociante
Patissa, aeroporto 17 de Setembro, Benguela 11 Maio 2013
0 Deixe o seu comentário:
Enviar um comentário