Já
em posse do bruto que daria corpo ao meu livro de estreia, o editor deu-me a
ler algumas obras literárias, gramáticas e antologias para captar conceitos,
forma e espírito da poesia. Intrigou-me um conselho que desaconselhava
principiantes a escreverem sobre o amor, de tão explorado que o tema vem sendo
por grandes escritores.
Sobre
o amor já vivi, também eu, tudo o que me poderia surpreender. Já enganei, já
fui enganado. Já conquistei, já fui venerado. Já enchi litro de lágrimas, não
duvido que tenha causado o mesmo a alguém. Já levei corrida (a que mais marcou
foi a da cunhada de uma miúda de Benguela que conheci quando aos 16 anos eu
trabalhava como fotógrafo numa barraca da praça da Catumbela; era bonita, voz
grossa, e trocamos alguma carícia periférica, até o dia em que me meti no
autocarro para ir ter com ela no bairro Alda Lara. Foi correr de verdade e
nunca mais olhar atrás, o nome dela é tudo quanto restou. Cheguei a desejar
morte à minha algoz – sei que não devia, embora não ignore que amor e morte,
efectuada ou prometida, não andam muito distantes). Como é claro, também já fui
herói, e é nessa última condição que me atenho hoje.
Certo
dia, de bucho devidamente satisfeito, meu amigo e eu cuidamos de esfregar as
mãos com petróleo (querosene?) para abafar a inconveniência do perfume da lombula (ou lambuda, para aqui aportuguesar a boa sardinha) grelhada, difícil
que estava naquela noite achar o pedaço de sabão mais próximo. Cumprindo a rotina,
fizemo-nos à parada, ao longo da estrada Kalumba-Catumbela, caprichando no
vocabulário para cair na graça de novas raparigas na sanzala ou, no mínimo,
consolidar namoricos.
Caminhávamos
aleatoriamente pela noite escura, que se fazia mais escura pela ausência, não
já da energia eléctrica, mas sobretudo de meninas que deviam ter muito trabalho
doméstico a seguir ao jantar. Não seria a primeira noite de desencontros, estávamos
cientes, bons dias viriam, ou não tivesse a semana sete dias e noites.
Chamou
a nossa atenção algo a que chamaríamos de discussão, se passasse de
monólogo. “Vou-te sepultar… na sepultura”, retinia um tipo que mal conhecíamos.
Aproximámo-nos. A diferença de idade entre nós e o trio em certa medida equivalia
a uma geração. “Eu vou-te sepultar… na sepultura. Eu sou baiano. Eu sou
muito baiano”, dizia. Será que os baianos (naturais da Baía Farta) sepultavam fora
de sepulturas? Bom, teria de consultar livros de arqueologia e antropologia
mais tarde, que urgia mesmo era salvar o mano que conhecíamos. Este, na típica
ambivalência, tentava uma “recaída” com a ex-namorada, não que ela não fosse
cúmplice, só que, para seu azar, o rival se antecipara na recolha de informações
relevantes sobre si (nome e fenótipo).
A
rapariga, impotente, tentava acalmar o namorado, que seguia ameaçando, suas mãos
ora no bolso, ora na cintura, dando a entender que trazia armamento sob o
casaco. Já o nosso amigo era o medo em pessoa. Sua motorizada andava confiscada
pelo agressor. Mas por muito agressivo que o baiano quisesse ser, ele era
estranho no bairro, ao qual estava ligado apenas pela namorada. A nossa
presença jogava contra si. Foi então que libertou a motorizada. E lá o nosso
conhecido saiu connosco da zona de conflito.
Por
essa e por outras, posso ou não escrever sobre o amor?
Gociante
Patissa, bairro da Santa-Cruz, Lobito, 8 Maio 2013
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