“Já
sabes? A minha vizinha virou maluca”.
“Ouvi
que tem mais uma de Benguela”.
“Isso
até ‘tá a dar medo”.
“Conheço uma miúda, não é bonita nem nada, tem
um [Hyundai] i10. É samba”.
“Estão
a pisar grandes máquinas”.
“Tipo
nada, os kotas estão a largar”.
Enquadramento:
A
ideia principal resume-se aqui: “Conheço uma miúda, não é bonita nem nada,
tem um i10. É samba”. Há uma crença entre os Ovimbundu na existência de
força sobrenatural para atrair homens, num estilo de vida intensamente promíscua
com fins materialistas. Esse poder chama-se “samba”.
Sendo
a existência do feitiço indiscutível, vale acrescentar que a sua essência é o
status: acumular bens, chegar ao poder, manter-se no trono, proteger-se. Em algumas
comunidades, a tendência é masculinizar o feitiço (“umbanda”), sendo “oganga” o
homem (que pode chegar a matar, por status ou por inveja) e “ocilyangu” a
mulher (que supostamente anda fora de hora a dançar nua à porta de quem quer na
desgraça). Quem recebe "samba" recebe “umbanda”, embora seja uma categoria mais
leve.
Voltando
ao diálogo, na percepção de beleza enquanto moeda, só as mulheres que completam
os estereótipos (a tal beleza aparente) merecem ostentar bens, já que, “tipo nada,
os kotas estão a largar”. Logo, para uma miúda que “não é bonita nem nada” ter
um carro, só pode ser porque recorreu ao feitiço para iludir clientes com um
charme que não possui. E, algo cíclico, começam a espalhar-se informações sobre
raparigas que alegadamente enlouqueceram porque o feitiço expirou, ou porque
não teriam cumprido os preceitos do kimbanda.
Impressão final:
Ao
mesmo tempo que me revi parcialmente no diálogo, por este representar repúdio à
ascendente degeneração das relações humanas, onde adultos endinheirados
corrompem raparigas com idade para suas filhas (ou mesmo netas), não deixei de
sentir uma ponta de tristeza; aqueles lavadores de carros demonstraram estagnação
quanto à visão de mobilidade social. Em nenhum momento se referiram a alguém (“feia”
ou “bonita”) que tenha carro porque conseguiu formar-se, arranjou emprego e
pediu crédito.
Gociante
Patissa, Aeroporto Internacional da Catumbela 13 Maio 2013
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