PORTUGUESES de origem africana são vítimas de exclusão e marginalização, diz a ONU (Foto: PÚBLICO) |
Texto e foto: Semanário Angolense, edição 484, 29/09/12
As
pessoas de origem africana que vivem em Portugal estão sub -re pre s ent
ad a s nos processos de tomada de decisão política e institucional.
Não
têm
igualdade de acesso à
educação,
aos serviços
públicos,
ao emprego.
São discriminadas no
sistema de justiça,
vítimas
de discriminação
racial e de violência
pela polícia.
O reconhecimento como pertencendo à sociedade portuguesa e os seus
contributos ao longo da história
para a construção
e desenvolvimento do país
são
insuficientes. Finalmente: são
vítimas
de exclusão
e marginalização,
e em Portugal «o
racismo é
sobretudo subtil».
Este é, em traços gerais, o retracto
da situação
das pessoas de ascendência
africana que vivem em Portugal feito por peritos da Organização das Nações Unidas (ONU), a
partir de uma visita ao país
em Maio de 2011, e que ontem esteve a debater o relatório, agora concluído, com
representantes portugueses numa sessão do Conselho de Direitos Humanos
em Genebra, Suíça.
Oficialmente tornado público
ontem, o documento é
criticado pelo Alto Comissariado para a Imigração e Diálogo Intercultural
(ACIDI), que contesta algumas das conclusões.
O conteúdo do documento é baseado nos
encontros que o grupo de peritos teve com organizações governamentais e não-governamentais,
nos pontos de vista de pessoas da sociedade civil e membros das comunidades
afro-portuguesas. Ao longo do documento, critica-se várias vezes o facto de
não
existirem dados sobre minorias étnicas
e raciais que permitam tirar conclusões factuais. A missão a Portugal
aconteceu durante o Ano Internacional das Pessoas de Origem Africana (2011),
agora proposto passar a década.
Na reunião de
ontem, onde estiveram também
representados países
como o Senegal, EUA, Brasil e China, Verene Shepherd, actual chefe da missão do grupo de trabalho, reiterou que, apesar dos esforços do Governo para promover a integração e combater a discriminação, os imigrantes e as minorias étnicas e raciais em Portugal são «vulneráveis à
discriminação e à desigualdade». Shepherd sublinhou que Portugal não tem medidas especiais de afirmação positiva em relação às pessoas de origem africana para «combater desigualdades estruturais». Por seu lado, Portugal respondeu que não desenvolve políticas
para nenhum grupo racial específico
para«garantir a mesma protecção para
todos» e por considerar que medidas de discriminação positivas corriam o risco de ter um efeito contrário e estimular «divisões e choques na sociedade que não existem», lê-se no comunicado de imprensa.
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Ainda via SA:
HIERARQUIA DE VÍTIMAS
Ao PÚBLICO, antes da reunião, Rosário Far¬mhouse, dirigente do ACIDI, discordou, por email, da abordagem. «A posição portuguesa tem assentado no princípio de que o fenómeno do racismo e da discriminação racial é universal e de que, como tal, terá de existir uma abordagem universal a esta problemática, que não individualize nenhum grupo popu¬lacional.» Portanto, não concorda com «uma linguagem que crie uma hierarquia de vítimas de racismo»: «A situ¬ação das pessoas com origem africana deverá ser tratada num âmbito mais genérico e integrada na política geral da União Europeia contra o racismo.»
Apesar de congratular o facto de as políticas de imigra¬ção portuguesas terem ficado em lugares de topo em lista de países europeus, de elogiar os diversos programas de integração de imigrantes ou o facto de a diversidade ser valorizada na sociedade portuguesa, o relatório nota que em Portugal as pessoas de origem africana não são reco¬nhecidas como grupo étnico ou racial mas como imigran¬tes. «Quando fala do tratamento de pessoas de ascendência africana, o Governo refere-se à integração de estrangeiros. Não existe um reconhecimento de pessoas de ascendência africana que sejam nacionais.»
Os peritos mostram ainda preocupação com a falta de reconhecimento do seu legado no passado colonial portu¬guês e do seu papel. Uma das críticas ouvidas pelo grupo foi justamente o facto de na escola ser ensinada uma «ver¬são inexacta» do passado colonial português e de se passar a ideia de que «o racismo não é um problema em Portugal». Os currículos e livros escolares não espelham a contribui-ção das ex-colónias nem promovem junto das crianças de origem africana o orgulho nas suas raízes, acrescentam. Sublinham ainda o facto de o racismo ser implícito e exigir a criação de programas e instituições centradas nas pessoas de origem africana, bem como uma mudança na política oficial que se aproxima mais de uma abordagem de assimi¬lacionismo do que de multiculturalismo.
Esta última observação é veemente contestada por Far¬mhouse, que diz que «tal afirmação não corresponde à ver¬dade». «Todas as políticas desenvolvidas pelo Estado Portu¬guês, muitas delas através do ACIDI, são provas cabais do contrário». Portugal, defende, é «amplamente reconhecido no plano internacional face às suas políticas de integração inclusivamente pelas Nações Unidas» - como no Relatório de Desenvolvimento Humano 2009 ou nas avaliações do Index de Políticas de Integração de Migrantes (MIPEX, na sigla inglesa). «O modelo de gestão da diversidade cultu¬ral defendido pelo Estado Português é o da intercultura¬lidade através da promoção do diálogo intercultural e não há nada no relatório que factualmente prove o contrário, é uma conclusão sem qualquer fundamento», acrescenta.
O grupo inclui no relatório a posição de várias entidades governamentais que defendem que a política seguida é de interculturalismo, mas sublinha que «a posição oficial de não recolher dados desagregados sobre minorias étnicas e raciais foi-nos dada como prova de que a assimilação é a política oficial de inclusão».
No documento de 18 páginas são deixadas oito reco¬mendações. Uma é que Portugal devia garantir que os assuntos ligados aos portugueses de origem africana não sejam tratados como questões de imigração. Outra é que o Governo deveria rever a sua política que impede a re¬colha de dados sobre minorias étnicas e raciais pois estes permitiriam analisar as suas condições de vida. Sugere-se também a criação de um sistema de cotas para «aliviar as disparidades e ultrapassar a discriminação».
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