quinta-feira, 1 de junho de 2023

Crónica | A PROPRIEDADE COMO UM DIREITO CITY

| Yosefe Mwetunda |

José Guilherme João Muetunda é professor de Direitos Reais há dois anos, tendo partilhado saberes da referida área do Direito com quatro turmas de duas instituições diferentes. Sempre que se apresentou como tal aos estudantes, fez questão de deixar bem claro, clarissimamente mesmo, que enquanto com os outros professores aprendem direitos falsos, Direitos Reais seria com ele. E seguiam gargalhadas, obviamente, e gargalhadas de morrer. Mesmo o leitor deve ter rido, quando lido o excerto anterior, principalmente se for jurista.

Na verdade, o termo Direitos Reais, não sendo sinónimo de direitos verdadeiros, não é antónimo de direitos falsos. À parte todos e quaisquer desfiles doutrinários, dizer Direitos Reais tem sentido de Direito das Coisas, sendo esta a designação que, ao contrário da melhor doutrina, o nosso legislador privado comum adoptou, inspirando-se no BGB[1]. Legislador privado comum, admita-se o recuo para esclarecer, é o responsável pela aprovação do Código Civil, diploma que, entre nós, apesar de secular, traz regime para todas as questões voltadas aos particulares. Voltando à palavra reais, é sinónimo de coisas, do Latim res.

Caso interesse definir Direitos Reais, aventa-se ser o conjunto de normas e princípios reguladores da utilização das coisas pelos seus titulares, mediante o exercício de poderes tipificados em diplomas próprios. A definição deve ser mesmo genérica, para não ser falta de braços que abracem a larga lista de figuras existentes.

Como já se está a falar do catálogo de Direitos Reais, faz-se mister referir que a sede é o Livro III do Código Civil (artigos 1251.º e seguintes), mas outros há noutros lugares do mesmo diploma e não só. O que se sabe, com certeza, é que o maior direito real é a propriedade, prevista nos artigos 1302.° para frente. A maximez do direito de propriedade consiste no facto de ser o único que permite o exercício da plenitude dos poderes (uso, fruição e disposição), o que não se verifica nos outros. Deste modo, defende-se que por trás de todos os direitos reais limitados ou menores, há o direito real ilimitado, o de propriedade.

Muetunda sempre ensinou que o direito de propriedade é um direito real, mas, e porque a ciência nunca pára no tempo, um acontecimento do dia 17 de Maio de 2023 parece mudar substancialmente a natureza do referido direito, como segue fundamentado. 

No dia 9 do mesmo mês, uma terça-feira, o Manchester City, clube de futebol da Inglaterra comandado pelo espanhol Pep Guardiola, seguiu para Madrid, Espanha, com o afã de defrontar o Real Madrid em jogo a contar para a primeira mão das meias-finais da UEFA Champions League. Depois dos 90 minutos de mbunje[2], uma bola com resposta foi o resultado final, Vinicius Júnior (pelos anfitriões) e Kevin de Bruyne (pelos visitantes).

Na segunda mão, Inglaterra, uma semana mais tarde, os cityzens presentearam os merengues com uma cabazada de quatro bolas. Sequer houve hora para o golo de honra. Ora, aquilo foi okuliborrala[3] do princípio até ao fim. Bernardo Silva assinou os primeiros dois, Éder Militão, na própria baliza, aumentou para três, e Julián Alvarez sentenciou a partida. Com o agregado de cinco bolas a uma, os comandados de Pep Guardiola vão cruzar o Inter de Milão na final de Istambul, Turquia, a 10 de Junho. 

Considerando que o maior proprietário de orelhudas[4] é o clube espanhol, com um total de 14, por duas vezes ganhas três vezes consecutivas, considerando também que o clube inglês está apenas à procura do inédito, o docente vem mui encarecidamente solicitar a quem de direito que se digne autorizar que se trate a propriedade como um Direito City, nem que seja só para alegria de pobrezinho.

Luanda, 19.05.23.XXI.18.26

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José Guilherme João Muetunda nasceu em Julho de 1991, no município de Mavinga, província do Cuando Cubango, Angola. Licenciado em Direito pela Universidade Metodista de Angola, adoptará, quando for escritor, o pseudónimo Yosefe Mwetunda. Autor de poucos textos (mais poemas e crónicas) publicados, o aludido pode ser lido na extinta revista Luzeiro Gospel, onde assinou, só para citar, o poema Evangelho da Graça. Na viva Palavra&Arte (virtual), Mwetunda tem, entre outros, o continho “sexo da bênção”. Tem ainda textos no extinto jornal Nova Gazeta, rubrica poema do leitor e no blogue Angola, Debates e Ideias (www.angodebates.blogspot.com) e em Palavras são tantas: colectânea de poemas e crónicas de jovens autores angolanos, sob a chancela das editoras Perfil Criativo (Portugal) e Alende Edições (Angola), com a organização do escritor Gociante Patissa.



[1] Bürgerliches Gesetzbuch, Código Civil da Alemanha, desenvolvido desde 1881 e colocado em vigor a 1 de Janeiro de 1900, é até hoje reputado como um projecto grandioso, inovador e, por isso, influente.

[2] Corruptela de ombunje (Umbundu), que significa jogo de futebol.

[3] Borrar-se, numa mistura (que não se recomenda) de Português e Umbundu.

[4] Alcunha da taça da UCL

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Aurio Bernardo disse...

Grande artigo! Amei ����

Aurio Bernardo disse...

Grande artigo adorei!

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