NeNesse sábado, terceiro dia da Feira, a programação teve de ser encurtada, uma vez rendida à inutilidade de disputar amores com o apaixonante clubismo à volta do futebol em noite que definiria o campeão nacional, entre Benfiquistas e Portistas, com o troféu a sorrir para os primeiros.
A enorme configuração da Feira parece confirmar as estatísticas oficiais, que chegam perto de mil marcas editoriais, uma centena de editores e livreiros, distribuídos por quatro centenas de pavilhões e uma média de preço de capa de vinte Euros, o que daria qualquer coisa como doze mil Kwanzas.
O preço é sempre uma variável importante em questões de atractividade e viabilidade de qualquer negócio. No contexto específico de Portugal, com um salário mínimo nacional de 700 Euros e em se tratando de uma moeda forte, desembolsar 20 Euros por exemplar chega a ser razoável, atendendo também aos hábitos de leitura na sociedade. Equivale à metade do passe mensal do serviço de transportes públicos e fica relativamente abaixo do custo médio de uma refeição adequada numa grande variedade de restaurantes por aí. Adiante.
De facto, festas como estas dão um indicador de como o sector livreiro enfrenta lentamente, porém com optimismo, a recuperação no contexto pós-pandemia, que só podia ter ditado, por todas as razões óbvias que se lhe conhecem e mais algumas, dois anos de quebra de vendas.
Já no ano passado Pedro Sobral, que lidera a Associação Portuguesa de Editores e Livreiros, organizadora da Feira, citado pela The Portugal News, falava num aumento de oito por cento de vendas acima do nível pré-pandemia até 10 de Abril, em comparação com o mesmo período de 2019, embora em seu entender o mercado viva de baixos índices de leitura e literacia, substancialmente inferiores aos de outros países europeus. A literatura (romance, conto, novela, poesia, dramaturgia e crónica) fica atrás nas preferência dos consumidores, em relação a livros de carácter técnico-científico, estilo de vida, lazer, notícias e de auto-ajuda.
O programa da Feira do Livro de Lisboa é de remeter o visitante à experiência de perdidos e achados, tal é a intensidade de atractivos, muitos deles sobrepostos. Lançamentos, oficinas criativas, visitas de dignitários, enfim, uma mão cheia. Melhor dizendo, quase cheia, faltando-lhe mais representatividade das literaturas de outras sensibilidades que povoam o país, aqui pouca diferença fazendo que se trate apenas de iniciativa comercial privada e não interestadual. Para o bem e para o mal, o mercado português, que colecciona a proeza do Prémio Nobel atribuído a José Saramago, em 1998, ainda é pólo de validação das literaturas da CPLP.
E se não vemos as coisas como elas são; vemos as coisas como nós somos, no evangelho segundo Anais Nin, autora franco-americana, então como observador estrangeiro ligado às artes, eu cá concebo a Feira do Livro de Lisboa como um elo de socialização que transcende a dimensão funcional do comércio e geração de lucro. Pelo legado histórico que nos une, eventos desta natureza devem dar e receber todo o apoio necessário para produzir um impacto à dimensão das 280 milhões de almas que se comunicam em português, tão-só o quinto idioma mais falado no mundo.
Gociante Patissa, 28 Maio 2023
Publicado na edição de domingo do Jornal de Angola, 04.06.2023
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