E o senhor, o
que quer beber? Água, se faz favor!, abri-me como quem andasse no deserto. Quer
outro copo, certo? Sorri à perspicácia da assistente, portuguesa com muitos
ainda por somar até chegar aos trinta. Também aqui dentro o ar é muito seco,
acrescenta ela com aquela empatia de converter instantes em momentos
memoráveis. O contacto é breve e ela segue pelo corredor, empurrando o carrinho
dos víveres.
Tenho livros
para ler no iPad mais o filme sobre Mandela e o desporto contra a segregação
racial. Vendo a assistente de volta, peço um minuto: preciso da vossa ajuda.
Tenho ligação para Luanda, e estamos a sair daqui com duas horas de atraso.
Íamos a bordo da TAP para Lisboa, vindos de Frankfurt, Alemanha, aonde me
desloquei entre 16 e 23 de Outubro de 2016, a convite do Goethe-Institut, para
integrar o grupo de 22 países internacionais visitantes à Feira Internacional
do Livro de Frankfurt.
Vou avisar o comandante,
assegura ela, quando estivermos em aproximação, reportamos da sua condição. Em
princípio, o vôo para Luanda terá de esperar. Voltei a agradecer pelo socorro.
Isto hoje anda tudo assim. Houve uma situação no aeroporto de Lisboa, de manhã,
que afectou toda a programação, referiu ela. Mas que situação seria? Isto já é
a pergunta que tive de asfixiar, da incorrigível curiosidade de jornalista
fracassado, não é? Mas, enfim, revesti-me da minha faceta de profissional de
aviação e deduzi que a simpática rapariga não evocaria mais do que as célebres
razões de ordem operacional. Só mais tarde soube que se tratou da greve de
controladores e dos taxistas.
Chegados ao
terminal de transferências, o inesperado. O avião para Luanda tinha já partido.
Sou o quarto na fila das irregularidades. Duas moças com destino à Madeira, sem
no entanto ter onde se acoitar, quando só às cinco da manhã sai o primeiro
autocarro. Um brasileiro rumo à Espanha. Confusão é o oxigénio que se respira.
Três agentes da GNR não escapam aos impropérios, por alegada inércia. E lá
surge um João, funcionário da TAP, célere e algo refilão. A minha vez faz-se
vez, e lá o funcionário preenche um VOUCHER para hospedagem e alimentação num
tal de VIP Executive Lisboa. O endereço dá-se verbalmente, eu faço tudo menos
reter. Qualquer taxista sabe onde é, diz ele. Vôo remarcado para o dia seguinte
à mesma hora. Às 23 horas assento o traseiro no assento do táxi. O que se segue
é uma gincana para esquecer.
De VIP
Executive, Lisboa tem uma cadeia de hotéis que nunca mais termina. O taxista,
45 anos, ascendência cabo-verdiana, no princípio é um misto de empatia, sereno
chuvisco e victória desportiva. O meu Benfica ganhou, rapaz! Um a zero, mas o
que importa são os três pontos. Já batemos a umas quatro portas e nada de ser o
hotel parceiro. Uma da manhã. O taxista agora é a própria fúria. Tenta
abandonar-me na rua. Os dez euros que tem a receber do hotel, diz, não
compensam.
Simulo não ter
dinheiro, a ver se o prendo na odisseia. Quem é que me paga o combustível?! Um
gajo até desliga a merda do taxímetro; se a bófia vê um valor alto, ainda
julgam que ando a enganar. Ouve, meu amigo, isso fazem consigo (evitou dizer
preto), porque se fosse diferente… Mantive-me calado e indiferente aos bufos do
homem, recorrendo à técnica da exaustão. Nada nos unia melhor do que o silêncio e a esperança de ver terminado da melhor maneira o pesadelo à TAP. Às duas,
finalmente, achávamos o maldito hotel, ali pelo palácio da justiça. Junto dez
euros aos dez pagos pelo hotel, e de repente o taxista até já tem familiares em
Benguela.
E na manhã
seguinte contacto a advogada Alexandra Sobral, amiga de luxo que a literatura
me brindou, e já tenho cicerone para um dia de turismo por Lisboa e seu
potencial cultural, com a inclusão da outra alma de luxo, a arqueóloga Filomena
Barata. No balanço da odisseia, é caso para dizer que foi uma ligação muito bem
perdida.
Gociante
Patissa. Aeroporto Internacional da Catumbela, 10 Jan 2017
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