Queimo horas à mesa vazia. A leste o ondulado
árido do bairro que se reinventa dentro e à volta do cemitério. A oeste a brisa
rente do mar que bebe do rio. Vão passando muitos carros. De gente nem por isso
menos. Uns mergulham na sopa, outros no caldo. Os mais assertivos vão de cabeça
num copo de cerveja, ou de fino, conforme a agenda, tão fresco é o líquido
transformado na encosta do rio a poucos quilómetros do balcão. A mim cabe a
vergonha de quem, nada mais lhe restando para gastar, também não pode abandonar
a esplanada. O carro tarda no seu banho, e por cá o pagamento electrónico é
rechaçado a azul. Estimados clientes, avisamos que o multicaixa está fora de
serviço. O anúncio data de há já três dias, pelo que outro motivo se infere que
não a avaria. E as horas pedem por empréstimo ao caracol a cadência do passo.
Duas tentativas de leitura não resultam, a mente vagueia na interminável
vontade de caprichar nos contos em fase já adiantada do processo de edição do
outro lado do atlântico, ao mesmo tempo se contendo para aguardar pelo miolo. O
bar, pela sua própria graça, é uma vitrina sociológica, bastando apenas apurar
o sentido de oportunidade no olhar e ver. E não se precisam esforços. Ao lado
estão dois senhores, um de barba feita, outro estereotipando Jesus Cristo. Vão
na décima cerveja, aqui em aritmética solidária, nas contas do garçom. Eles
acham que não. E no impasse dá-se o corte à vibrante conversa sobre um seu
amigo e conterrâneo (fica-se com a sensação de anfitrião também dos novatos,
quiçá de algum esquema no tráfico de naturalização), que por Benguela teria
montado morada há já oito anos. Jaz fez cá filhos e tudo!, gaba um dos
convivas. Junta-se ao recinto um senhor em idade de reforma. E à boa maneira
angolana, havendo disponíveis várias mesas, ocupa a sua na liberdade que a
solidão opcional lhe confere. Cabelo à escovinha, camisa de mangas compridas de
tecido tipicamente africano. Movimentos cautelosos, olhos atrás de óculos de
massa. Poucas palavras, até aí nada além de um bom dia. Sabe precisamente para
o que vem. Um prato de caldo de peixe. Pão também. Cerveja por que não? Os dois
prosseguem no tema com a mesma descontracção. Agora já é sobre a situação
económica e as limitações e falta de perspectivas e estabilidade, não tanto
para os expatriados, mas principalmente para os nativos, sublinham, altruístas,
eles. Até que o velho afina a garganta e... Mas os que viajam por este mundo a
fora dizem que há países em situação pior, contrapõe, sem exprimir emoção
decifrável o kota. A dupla de convivas, visivelmente surpreendida, gagueja. É,
quer dizer, bem... Há países piores, desenrasca-se o primeiro. Pois, mas em
África é quase tudo assim, acrescenta o segundo. O mais velho faz uma pausa na
colherada à boca. Os convivas pedem a conta e deixam o bar. Não sei porquê, mas
ficou a impressão de se não terem despedido nem já um clichê do tipo
continuação de bom fim-de-semana, caro amigo. Instintivamente, o velho
reformado segue-os com os olhos enquanto a viatura manobra e desaparece. Deve
ter reparado que a carrinha todo o terreno estava caracterizada.
Gociante Patissa. Bombas de combustível do Lwongo, Catumbela, 21 Jan 2017
Gociante Patissa. Bombas de combustível do Lwongo, Catumbela, 21 Jan 2017
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