Estive a cogitar em
torno de uma certa confusão que me faz isso de colocar escritores a competirem
por prémios, bolsas literárias ou por cargos. Ou seja, não é o acto de competir
como tal, quando é por iniciativa pessoal. Mas já se torna diferente quando somos
sondados (geralmente sem fazer ideia por quem) e nos colocam numa lista de
potenciais elegíveis (ou derrotados?), visando legitimar a victória de um
escolhido, o que implica estar sujeito a uma série de requisitos e
formalidades.
Soa um tanto bizarro é sermos obrigados a provar que somos, de facto, escritores. Enfim. Nos dois últimos anos perdi (ou deixei de ganhar, por atitude de discordância passiva) duas grandes oportunidades de internacionalização. Uma foi pela Embaixada Americana que me inscreveu na candidatura à residência de artista de três meses nos EUA, com um rico programa de aprendizagem, interacção, viagens e criatividade.
Do monte de requisitos, ressalto que não me esforcei em traduzir para inglês dez páginas do meu livro «Não Tem Pernas o Tempo» nem quis pagar do meu bolso USD 500 à empresa especializada. A candidatura fez-se ainda assim de forma condicionada. Não voltei a ouvir deles, pelo que para um bom entendedor... A outra oportunidade seria pela multinacional Rolex, que tem um programa de «Tutor/Protegido», com a duração de um ano. Incluía um subsídio de 27 mil francos suíços e a possibilidade de ser acompanhado por um nome sonante da literatura em língua portuguesa.
Pediram um absurdo
conjunto de comprovantes, a saber, dois livros publicados em PDF, umas três
cartas de recomendação de instituições credíveis a atestar a condição de
escritor, recortes de jornal (não vá um alfaiate inscrever-se), carta dirigida
ao tutor, vídeo gravado a manifestar intenção, quer dizer, chatices que nunca
mais acabavam. E tive de provar que afinal era mesmo escritor (algo em que eu
também às tantas já não acreditava).
Para não ser muito duro, tenho de reconhecer que em certa medida foram generosos e se ficaram pelo benefício da dúvida, pois podiam muito bem no quadro dos procedimentos exigir uma fotografia em alta resolução dos órgãos genitais do candidato, que era para atestar o género. Ora, se não acreditam nos «olheiros» ou painel (secreto) de júris que identificam os candidatos, não é melhor encerrar o programa?
Penso que não se devia pegar em alguém por se destacar numa determinada área de artes e lhe colocar a concorrer com base na agenda dos organizadores. Em ambos os casos, pede-se discrição aos candidatos (que eles próprios localizam, não por anúncio público). No final saem aquelas notícias pomposas: «escritor fulano de tal vence isto e aquilo no meio de tantos».
É certo que a nível interno já concorri em 2012 por iniciativa própria ao prémio Sagrada Esperança como o livro «Fátussengóla, o Homem do Rádio que Espalhava Dúvidas», finalista vencido e recomendado pelo júri para publicação. Por outro lado, tinha fé que seria galardoado quando me convidaram para apresentar candidatura ao Prémio Provincial de Cultura e Artes de Benguela, o que acabou por acontecer (creio que mais por convicção do presidente do júri, ArJaGo) com a distinção na categoria de investigação em ciências sociais e humanos devido ao contributo que presto na divulgação da língua/cultura Umbundu através de contos e novas tecnologias de informação.
E quando saem as notícias dos premiados, o público não faz ideia dos bastidores. Desengane-se, pois, quem pensa que os processos de premiação são consensuais, transparentes e baseados no puro talento. Ainda era só isso. Obrigado. Ah, ia-me esquecendo. No momento em que escrevo esta crónica, estou à espera da aprovação do júri de um governo europeu que me convidou para uma semana literária.
Gociante Patissa,
Benguela 10 Agosto 2016
www.angodebates.blogspot.com
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