Se
algo tirava as vontades ao primo Ndulu, era quando velha Mbali, a mãe dele,
abrisse a boca. Não tirava os olhos do chão. Porquinho feito. Só para não ver
os dentes da mãe, da cor do pôr-do-sol e de um verde na gengiva que contava
anos.
Na
escola, era o pioneiro querido dos professores. Uma coisa o primo Ndulu não
tirava da cabeça, seguir o exemplo de Augusto Ngangula. Obedecer como ele,
proteger os interesses do partido como ele, morrer - a
qualquer momento - também.
O
professor-brigadista até falava umas palavras que o primo não entendia, mas
adorava ouvir. «Pió com alto espírito patriótico». Tais palavras compridas, não
havia na escola inteira pió que as entendesse; da mesma maneira que não se
entendia como foi logo querer morrer, quando as crianças não tinham permissão
sequer para espreitar aos funerais.
Para
bem da revolução, Ndulu usava de muita vigilância. Levava ao conhecimento do
professor tudo o que visse, ou acreditasse ouvir, de reaccionário, coisas como
desenhar cigarro na boca do presidente Neto plantada no livro. Conservar mal o
dinheiro também entrava nas contas. A conduta valeu-lhe a nomeação a
Chefe-estrela, o aluno mais importante na escola. Os demais piós, que eram
nabos a matemática e não entendiam nada de língua portuguesa, memorizavam a
matéria na véspera das provas com orientação do Chefe-estrela.
Foi-lhe
subindo à cabeça o pódio até concluir que a velha Mbali era inadequada ao seu
perfil. Mas ela deixava de ser extremosa e lhe tirava as pimpas:
- Linga ndukusapwile, ina yukwene, ndaño onina ndopalata, ka lisoki la wove(1).
Gociante Patissa, in FÁTUSSENGÓLA, O HOMEM DO RÁDIO QUE ESPALHAVA DÚVIDAS, 2014. GRECIMA, Luanda. Programa LER ANGOLA.
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(1) Se queres que te diga, mesmo que a mãe do outro brilhe como a prata, jamais
substituirá a tua.
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