quarta-feira, 27 de agosto de 2014

Crónica| JORNADA DE UM TURISTA À BAIXA DE LUANDA

O encontro com a solução está para 14 horas. Se em algo os dias de Luanda são iguais, é certamente no domínio dos transportes. De sorte que, à partida, convenhamos, nada há de potencialmente relevante a reter num percurso de táxi, os famosos quadradinhos.

É Maianga-Mutamba de cem a sair, mô papoite, três lugares! Uma vez dentro e desfeita a mentira dos vidros esfumados… Mô velho, você mesmo sabe que a gente depende de vocês, os nossos pax. Pois é, quem é que aceitaria ser o primeiro, com todo o tempo morto de espera que isso implica até lotar?!

E lá arranca da paragem aeroporto o carro lotado. Ao passar pelo Katambor, no banco de trás… Alô, kota! Já está na paragem? É nas bombas? Estou mesmo já a chegar, faz favor. Obrigado! Era quem? O kota que achou meu telefone, esqueci ontem no táxi. Ah, ele aceitou te devolver? Sim, é pastor, disse que a condição para me dar o fone é eu lhe pôr três mili kwanza. Ah, e pastor, para te devolver o que é teu, te cobra três paus? Ya, qual é a tua? Quer dizer, já como é pastor, ele não precisa dinheiro, não come?

Ainda a faltar uma hora e um quarto d’hora, fico aqui! É o meu desembarque. Propositadamente a meio quilómetro do destino por um par de razões, por um lado como forma de queimar tempo, por outro como bom pretexto para caminhar e, quem sabe, queimar algumas calorias, pronto. Toca a vaguear pela baixa da cidade.

Salta à vista uma concentração de espectadores em meia-lua. Executivos, farruscos e os nem uns nem outros, todos cativados. Esse banco é da fulana de tal, o fulano é que disse vamos meter mais dinheiro para não morrer, são tantos milhões de tal, e tal, e tal. Assuntos e apelidos descritos sem margem para deferências e adornos. Entre a plateia e o locutor, está um lençol de jornais, todos os semanários possíveis – como diria o outro – explicitados pelo ardina, qual tradutor a simplificar a distância entre a necessidade de o cidadão estar informado (quanto aos meandros da política, no seu prisma de gestão da coisa pública) e a preguiça de leitura que entre nós é, ainda, lamentavelmente, colossal.

E no semáforo da marginal, vejo passar sob custódia da Fiscalização, já sobre prontos-socorros e rumo ao parque das multas, duas viaturas que vi mal-estacionadas pelos lados do Prenda. Pronto, é prenda. Contemplo a baía, todavia sem apetite fotográfico. Céu por demais cinzento, e o cinzento contagia; nem as águas mais sabem ser azúis.

Falta um quarto de hora. Ponho-me a caminhar. Ao lado, um entusiasta de pouco menos de 30 anos, angolano, e outro, direi, ponderado, pouco menos de 50, português. E porque depois das sirenes, a cidade se veste de painéis publicitários e promessas de farra… O homem é um músico admirável, 20 anos de sucesso! Muito conhecido ele? Ya! Porque, tipo, há músicos com bwé d’anos de carreira, mas 20 anos a fazer sucesso?… Mas isso quer dizer que há uma máquina grande a injectar dinheiro! Será? Olha que o mundo do espectáculo tem muito trabalho que não se vê; sem uma estrutura, não se chega longe. Possas, mas eu até fico burro, 20 anos a fazer sucesso anualmente!!!

O censor da máquina fotográfica voltou mais novo. São agora 17h30, estou eu refastelado no hotel. Foi só mais um dia de Luanda, nada de extraordinário. Kandandus!

Gociante Patissa, 27 Agosto 2014
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