© SÉRGIO GUERRA |
«(...) Inusitado, porém, era o impulso com que o visitante se sentava diante do televisor, a seguir ao telejornal, para acompanhar o programa Nação Coragem.
Milhares de pessoas engrossavam diariamente as filas orientadas pela produção do programa, em Luanda, cada com a foto do familiar desaparecido e uma tocante mensagem. Vinha gente do norte, do centro, do sul, enfim, de subúrbios inimagináveis, vinham também esperanças da diáspora. Resistiam à fome e ao cansaço das horas que antecediam a gravação do Ponto de Encontro. Umas vezes, Veremos explodia de alegria diante da tela, contagiado por mais uma reunificação familiar. No entanto, também se davam desencontros ou, na mesma proporção, infelizes certezas de que A ou B já não está em vida, depoimentos de cortar o coração! E ele não resistia, derretia-se em lágrimas.
E enquanto assistiam…
— Mano Veremos, eu admiro bué o teu amor por esta miúda, a sério! É de dar varizes no coração… E se ela aparecesse, já esposa de outro homem?
— Amigo Perdido, estou em crer que as pessoas têm o direito de reaver, com a chegada da paz, o que a guerra lhes roubou.
— Acho que não me satisfez a resposta…
— Espero ter de volta a mulher. Acho que a paz é isso. Senão, um gajo acaba por se sentir um veterano da ironia do próprio Deus. Seria demais… É isso…
— Ya, estou a ver. No fundo, o que move as pessoas não é tanto dos actos infelizes, mas a sua própria impotência perante estes(...)»
In «Não Tem Pernas o Tempo», Pág 101-102, União dos Escritores Angolanos 2013
OBS: Foto de Sérgio Guerra.
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