(Voltamos a publicar esta matéria, como forma de contribuirmos para a chamada de atenção perante este assunto que, realçamos, é de capital importância para os lusófonos)
O “maldito” acordo de unificação do português, entenda-se entre as variantes brasileira e portuguesa, tem sido alvo de debates, suscitando tanto críticas recheadas de razão, como alguns dos mais infelizes argumentos. O canal televisivo português “Sic”, no espaço “Opinião Pública”, a 21/12, promoveu um fórum com a presença em estúdio de uma ilustre professora de Língua Portuguesa, contando com a participação de cidadãos de Portugal, Angola e Brasil, entre professores, tradutores e não só. Ficamos, nós os outros, a saber que neste acordo só o Brasil, Portugal e Cabo-Verde foram tidos e achados, «o resto virá por arrasto».
Conservadora e efusiva nos argumentos, a pedagoga vê no “Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa” uma questão de “lobby” político do Brasil, arrogando-se do simples facto de ter uma população maior (o Brasil tem oficialmente 120 milhões de habitantes e Portugal 11 milhões). Até porque a língua não é estática, o que pressupõe dizer que os brasileiros, que impõem a unificação, estão sujeitos à dinâmica evolutiva da língua e o neologismo continuará a ocorrer. Ou seja, quantos acordos de unificação mais serão necessários?
«É uma questão de facilitismo», considerou a professora que já garantiu não aderir a tal unificação, evocando ainda que a língua portuguesa tem uma origem, o latim, e uma história a respeitar. Ou seja, que o “h” mudo, o “c” (de acção) embora não se pronunciem, têm a utilidade de, não só evitar eventuais confusões com palavras semelhantes, como também ajudarem na entoação. Pelo que, os apologistas deste acordo para o qual nenhum exercício de auscultação pública foi experimentado, «estão a profanar as origens da língua portuguesa», disse.
«Portugal tem figuras da sua história cujo valor é reconhecido pelo mundo, como é o caso de Camões e as suas obras literárias. E, de repente, tudo isso não conta?», questionou. E com elevado pesar, viu-se a docente trazer cá fora os mais íntimos conceitos de património linguístico ao afirmar que «a língua portuguesa é património dos portugueses e de mais ninguém!». Será? Bom, a professora lá terá “bagagem” suficiente para tão arriscada asserção, embora nos pareça egoísta, considerando que, ao longo da história, Portugal e a língua portuguesa cruzaram a vida de muita gente, que se viu forçada a renunciar alguns dos aspectos mais sagrados da sua cultura, não tendo, hoje, língua própria, ou, se a tem, com pouco poder de expressão.
As participações ao telefone sustentaram, na sua maioria, a tese da professora convidada, defendendo que, «se os brasileiros quiserem falar "fato", por exemplo, em vez de "facto", que o façam, já que o acordo privilegia a pronúncia. Agora, forçar os outros, isso é que não!». E quase todos entendiam o acordo como uma vitória brasileira enquanto potência relativamente superior, perante (um) Portugal frágil, com o medo político de perder espaço. Basta ver que a variante brasileira cede apenas 0,5%, enquanto a variante padrão 1,6%. Tanta é a estranheza do acordo que o Brasil já disse que vai avançar com a implementação das propostas, quer Portugal concorde quer não, realçaram ainda os contestatários. «É um tipo de acordo que uma Inglaterra, por exemplo, jamais aceitaria, com todo interesse e respeito que tenha pelos Estados Unidos da América».
Do lado contra, um cidadão brasileiro realçou que o acordo vem acabar com as dificuldades de compreensão enfrentadas por pessoas que falam a mesma língua, reforçando aproximação. A opinião mais radical foi manifestada por um cidadão português que classificou a professora como fazendo parte de uma elite que vê a história como algo estático, que fica escrito em mármore, repugnando termos excessivos como «profanação». A reacção da professora não se fez esperar. Considerou os argumentos como sendo «de baixeza e usados», e deixou bem claro que não vai adoptar a unificação «para não ensinar erros aos alunos!!!».
Em 1911 dá-se a primeira tentativa de unificação ortográfica dos países lusófonos, que fracassou. O primeiro acordo ortográfico entre Brasil e Portugal data de 1931 e não resultou. Em 1945 houve, em Lisboa, um outro acordo, que também não efectivou a unificação, pois foi adoptado apenas em Portugal. O sistema ortográfico vigente no Brasil é de 1943.
Gociante Patissa
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