domingo, 25 de outubro de 2020
quinta-feira, 22 de outubro de 2020
Crónica | HASTA SIEMPRE, QUERIDO SÉCULO 21!
No limbo entre ontem e hoje fui-me deitar ardendo, de crónica. E lamentavelmente consegui adormecer o mundo
sobre os ombros, congelando o fio. Digo lamentável, porque vi nisso de dormir ante o desassossego o soar do alarme, mais uma vez a idade. Caminhamos para velhos e como disse o outro algures, aos poucos já não conseguimos ser metade do homem que até há bem pouco tempo fomos.
A escrita e o sono praticamente nunca em mim dormiram na mesma cama. O fluxo imaginativo, traiçoeiro, tinha essa mania de jorrar justo no momento em que o sono se fazia à pista dos lençóis. E assim ficava eu a debater-me. Ou dormia e perdia a ideia criativa, ou escrevia noite a dentro e bocejava o dia inteiro atrás do pão, arrebatado que fui pelo mundo do emprego ainda aos catorze anos.
Deixei a casa de uma irmã onde jantei pouco antes da meia noite e na minha cabeça continuou a trilha linda e triste dedicada a Che Guevara. A imagem do homem convicto tombando com o resto já há muito rendido à sua volta ilustrava bem os nossos tempos, tempos do tombar dos bravos da linha da frente por uma causa sem prazo, a densa e fria noite escura que teima em adiar o airoso amputando sonhos, o agoirento traço das notícias, a impotência dos cientistas, o arrojo dos líderes. O nosso mundo, nos dias que correm, é a fotografia de uma revolução perdida um pouco a cada dia. Hasta siempre, querido século 21. Ah, já agora enquanto posso, reivindico o meu lugar nas gerações autorizadas a dar o testemunho de sobreviventes do pior de uma guerrilha ali pela década de 80, sem esquecer, pois claro, que a década de 90 nos enfiou goela abaixo goles com raiz de mamoeiro e gotas de creolina, era cólera.
Só que na outra guerrilha, a das kalash, as crianças tinham o dorso das mães para escudo, e essa que nos assola leva primeiro as mães. Na outra safavam-se ao menos os refugiados para o ocidente, a actual é a primeira a chegar não importa aonde. Na outra guerrilha era plantar esperanças na voz do governante, e essa elimina primeiro o governante. Combalidos, nós o capim, hidratámos alento via poros do médico, só que a guerrilha de hoje mata antes os tais médicos. Na outra, aliás em todas as guerras, os aliados são o zénite, nessa actual só há um lado, o da derrota global. Na outra, como em todas as guerras, há tréguas e, ainda mais inviolável, uma ordem mundial. Na guerra da Covid a ordem mundial é o paiol de certezas fugidias, o disse que não disse chamado OMS. Hasta siempre, querido século 21!
Gociante Patissa | Benguela, 22 Outubro 2020 | www.angodebates.blogspot.com
domingo, 18 de outubro de 2020
Mais uma vez fica por Luanda: LOURENÇO MUSSANGO É PRÉMIO LITERÁRIO ANTÓNIO JACINTO 2020
A QUE PONTO CHEGAMOS, OH MINHA VIDA! (excerto do conto)
Apresentou-se uma mulher levantada do chão, metro e setenta, olhos grandes e incisivos, ar categórico. Traje
tradicional africano com influência congolesa. Saltava à vista o tique nervoso que a fazia levar constantemente a mão ao queixo. Se um dia houve ali algum parente de barba coçável, isso, não sei dizer.
NÃO TEM PERNAS O TEMPO (excerto da novela)
Na segunda semana, o Chefe da Casa chamou António Veremos para a segunda etapa da
recepção. Esclareceu que a dotação era insuficiente. Cada cabeça recebia cinco quilos de fuba, um de sal, dois de açúcar, três de feijão, litro de óleo, dez tábuas de peixe seco e uma barra de sabão. Por isso, era indispensável ir à rua pedir esmola.
— Aqui, família, somos caçadores de caridade. — disse-lhe o Chefe da Casa.
— Como os calos das muletas já saíram, vais começar comigo.
— Ok, conterra. — concordou Veremos, tomado subitamente pela memória dos tempos de próspero empresário da FBI. Certa vez, e já na defensiva ante o jogral de mendigos à porta da pastelaria, só depois de dizer “não tenho nada!”, notou que ainda nada lhe haviam pedido. Às vezes, a gente foge a miséria, não sabe porquê, mas evita cruzar com ela pelas avenidas. E ela caminha e se perpetua, como a própria indiferença.
— Então, mas os que têm ofício já tentaram procurar emprego?
— Ó família, a bicha do emprego é longa, quase não anda, e o mutilado se cansa de tanto tempo de pé numa só perna. — Por isso, parente, a qualquer gajo que me pedisse opinião, sei bem o que diria. E é há muito que o sei: um “NÃO!”, que a guerra é a maior porcaria.
António Veremos revelava-se desajeitado com a caça de esmola. Dir-se-ia que era muito distraído, levando, por consequência, o dobro do tempo habitual para aprender a bumbar sem supervisão. Uma vez superada esta etapa, surgia outra tensão entre o aprendiz e o instrutor. Veremos abandonava frequentemente a labuta antes do pôr-do-sol, que era a fértil altura, quando os funcionários voltavam aos seus lares para guardar a noite. O Chefe acreditava que a crise seria passageira, mas estava enganado.
— Ó família, o quê que se passa contigo afinal?
— Fiquei cansado, essa merda de muletas dão cabo dum gajo…
— Desculpa, mas isso é mentira! Tu achas que não sou mutilado, também não passei pelo que estás a passar?! Tu não és criança, o trabalho dignifica o homem, pá!
Entretanto, António Veremos não mudava. Já não era apenas a questão de abandonar cedo o posto de esmola, passou mesmo a não pôr lá os pés. Tornou-se algo misterioso. Saía de manhã e regressava à noitinha.
Cansado dos raspanetes do Chefe da Casa, Veremos contou-lhe a história de Rita, sua fulminante paixão, que deixou de ver na viagem do acidente que lhe roubou a perna. Estaria morta? Teria recebido alta e regressado a Luanda? Era a procurá-la que passava o dia espreitando em salas hospitalares e postos médicos. O relato veio a terminar num ambiente gélido face à reacção do companheiro:
— Porra, pá! Deixas de bumbar para ir atrás duma puta, que não se importou contigo?! Se é sexo, há mulher na casa, mas com kumbú na mão.
— Eh pá!, calma ali! Primeiro, puta é a tua avó! Segundo, você não sabe se ela está morta ou não! Quem és tu, ó cara do caralho?!
— Eu te recebi pensando que és homem! Não posso é sustentar um preguiçoso, que se comporta como adolescente e não produz…
— Chefe, vais p’ra’puta que te pariu! Eu também já fui alguém, ouviste?! Nem tu nem ninguém decide, se procuro a minha mulher ou não!
O Chefe da Casa ainda foi a tempo de dizer que o passado só valeu a pena se não nos impede de continuar a viver. Mas, será que foi ouvido?
Veremos recolheu os haveres e instalou-se nos escombros do Mercado. Solitário, mas independente, como gostava, como sempre viveu. Continuou procurando pela mulher, mas esbarrava sempre na mesma pergunta: “Rita de quê?”. E, infelizmente, desconhecia o sobrenome. Passou a esconder-se no copo, bebendo muito, e quase sempre, comendo pouco, e de vez em quando. E não demorou muito para ser acometido por uma tuberculose.
Achando terreno fértil no sistema imunológico de Veremos, a doença deixou-o assustadoramente escanzelado. A dada altura, ele cheirava a morte. E convenceu-se de ter somente uma saída para continuar a viver. Então, regressou à Casa de Passagem, por menos que gostasse da ideia de ser rejeitado pela ex-família. Ao vê-lo chegar, o Chefe, que cuidava do jardim no canteiro do alçado principal, largou a enxada, abandonou o que fazia e estendeu o abraço:
— Meu, camarada! Quê que está a te matar?
— Parente, desculpa, errei…!
Gociante Patissa, União dos Escritores Angolanos. 2013, Luanda, Angola
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quarta-feira, 14 de outubro de 2020
OVILWA YANGE VOFELA (O MEU ASSOBIO AO VENTO) - 6
No curso de Coligação e Advocacia em Direitos Humanos que frequentei durante 12 dias enquanto líder da ONG AJS em Junho de 2001 em Luanda, organizado pela World Learning/USAID, convidando para o efeito perito americano de uma coligação de Chicago com actividade de advocacia social e promoção da democracia, ficou em todos nós uma lição que dizia muito da forma como em Angola se percebia e ainda se percebe o “estatuto de activista”. Num exercício simulado, desenvolvemos advocacia social a favor de uma comunidade que enfrentava um hipotético interesse empresarial em contenda de direito à terra. Ao cabo de duas horas o exercício continuava sem solução. Porquê do impasse? Porque nós jovens activistas, em tese mais lúcidos que a comunidade cujos interesses defendíamos, estávamos tão certos da nossa razão e da força dela que a única via que consideramos era a da ACÇÃO DIRECTA, quando a circunstância recomendava fazer concessões, cooperar. Foi tudo menos o que fizemos, porque nos identificamos de tal maneira com o lado desfavorecido que tomamos por nosso inimigo o outro lado. Cidadania é como no desporto lidar com adversários, não necessariamente inimigos. O activismo é também manifestações, claro, é também emoção e paixão, é afronta mas é acima de tudo questão de estratégia, pelo que nenhuma dessas técnicas deve ser a marca isolada só porque sim. Com aquele impasse no curso, não só perdemos tempo como também se agravaram os ânimos e desgastaríamos a cordialidade. Os activistas têm de saber ouvir, observar as leis (justas ou injustas, enquanto se combate para as alterar), ter consciência de não serem superiores a ninguém e que quem pensa diferente não é inimigo, recuar quando for o caso e acima de tudo estarem prontos para negociar (o risco maior é a tentação de flutuar sobre as núvens do status, o ser-se figura pública, o mártir contundente). Foi este o segredo do sucesso da coligação “Ensino Gratuito, Já”, liderada entre 2001 e 2006 pelo Eng.º José Patrocínio (Omunga, AJS, ADAMA, CICA, CRB), que pode ser um estudo de caso de activismo idóneo, sem deixar de ser incómodo, em Angola e particularmente em Benguela onde a maioria das ONGs integrantes residia. Exigíamos às escolas públicas o fim da cobrança das comparticipações (eufemismo de propinas), cobrança de folhas de provas, bem como a alocação de material escolar gratuito aos alunos e merenda escolar, como estabelecia a Lei de Bases do Sistema de Educação, enquanto parte da gratuitidade do ensino até à sexta-classe. O alvo era o Ministério da Educação que se via a braços com a incapacidade de dotar as escolas de orçamentos, sobrecarregando as comissões de pais e encarregados de educação, muitas delas desprovidas de literacia jurídica elementar para distinguir onde terminava o ónus do Estado e começava o das famílias no processo de ensino-aprendizagem. Organizamos capacitações das comunidades, influenciamos a pauta jornalística com fundamentos legais e consistência, mobilizamos parcerias entre as diversas forças vivas da sociedade para a causa, conduzimos protestos evitando sempre a pessoalização e a radicalização das posições como marca registada. É o meu assobio de hoje ao vento por uma Angola melhor. Pandupandu
sexta-feira, 9 de outubro de 2020
Fundação Pedro Calmon lança Prêmio de R$ 7 milhões para Cultura
Os projetos e iniciativas dos segmentos do livro, leitura, memória, bibliotecas comunitárias e arquivo já podem participar do Programa Aldir Blanc, gerido pelo Governo do Estado da Bahia, através da Secretaria de Cultura (SecultBa). O Prêmio Fundação Pedro Calmon foi publicado hoje (08) no Diário Oficial do Estado e visa premiar cerca de 350 propostas, com cerca de 7 milhões reais em todo Estado.
Voltado para os trabalhadores da cultura e para a criação de subsídios para a manutenção de espaços culturais, a Fundação Pedro Calmon (FPC/SecultBa) recebe projetos culturais nessas áreas até o próximo dia 27 de outubro. Sem prorrogação de inscrição, o Prêmio Fundação Pedro Calmon tem objetivo de reconhecer e fomentar as iniciativas culturais da sociedade civil que tenham por finalidade preservar e divulgar o acervo documental; estimular e promover as atividades relacionadas com bibliotecas, assim como, promover ações de fomento e difusão do livro e da leitura nos diversos territórios de identidade do Estado da Bahia
O Prêmio é voltado para o reconhecimento às iniciativas culturais da sociedade civil nos processos de criação, produção, difusão, formação, pesquisa, entre outras expressões artísticas e culturais. De acordo com o diretor geral da FPC, Zulu Araújo, o Prêmio “contemplará todos os trabalhadores e trabalhadoras da cultura. Teremos ações afirmativas em todas as categorias, proporcionando a inclusão plena de nossos artistas, técnicos e trabalhadores”.
Os proponentes poderão apresentar apenas uma iniciativa cultural em uma das categorias contempladas pela FPC. Na categoria Livro e Leitura serão 50 iniciativas premiadas no valor individual de R$25 mil, além de R$2 milhões para apoio a eventos literários. Também serão 50 projetos para Bibliotecas Comunitárias, no valor individual de R$ 25 mil.
Já no campo da Memória serão premiados 200 iniciativas de pesquisadores no valor unitário de R$ 4.250 mil, totalizando um valor de premiação de R$ 850 mil. E na categoria Arquivo, 40 iniciativas de instituições custodiadoras de acervos arquivísticos serão premiados no valor de R$ 41.250 mil, totalizando R$ 1.650 milhão.
Festas Literárias - Estreante entre as modalidades da Premiação, a seleção dos eventos literários que se espalharam por todo Estado, terão uma premiação específica na categoria livro e leitura, no valor de R$2 milhões. Serão dez iniciativas selecionadas e que devem ocorrer entre os meses de novembro de 2020 a junho de 2021 nos Territórios de Identidade da Bahia.
Quem pode se inscrever? – Em atendimento aos critérios dispostos pelo Decreto estadual Nº 20.005, de 21 de setembro de 2020, podem participar das chamadas públicas abertas pelo Programa Aldir Blanc Bahia pessoas físicas ou jurídicas com atuação cultural, e estabelecidas ou domiciliadas na Bahia há pelo menos 24 meses. Grupos e coletivos culturais que não se constituam como pessoa jurídica de direito privado deverão comprovar sua atuação no estado há pelo menos 24 meses.
Programa Aldir Blanc Bahia – Criado para a efetivação das ações emergenciais de apoio ao setor cultural, o Programa Aldir Blanc Bahia (PABB) visa cumprir os incisos I e III da Lei Aldir Blanc (Lei Federal nº 14.017, de 29 de junho de 2020) e suas regulamentações federal e estadual. As ações são a transferência da renda emergencial para os trabalhadores e trabalhadoras da cultura, e a realização de chamadas públicas e concessão de prêmios. O PABB tem execução pelo Governo do Estado, através da Secretaria de Cultura do Estado da Bahia, geridas por meio da Superintendência de Desenvolvimento Territorial da Cultura e do Centro de Culturas Populares e Identitárias; e as suas unidades vinculadas: Fundação Cultural do Estado da Bahia, Fundação Pedro Calmon, Instituto do Patrimônio Artístico e Cultural.
Acesse para saber mais sobre o Prêmio Fundação Pedro Calmon.
Sobres os Anexos.
Para saber mais sobre a Lei Emergencial Aldir Blanc clique aqui.