segunda-feira, 26 de junho de 2017

Diário | Isso um dia foi carne para sopa?!

(I)
“Mas tu já viste isto, marido?!”
“O quê, mor?…”
“Mas estes restaurantes d’agora afinal aprendem aonde a ética?!”
“As atendedoras não estão a prestar atenção na sala dos não fumadores, é isso, né?”
“Até nem pensei até aí, amor. Esta sopa assim está a me irritar…”
“Está um pouco salgada, né?”
“Até não fui até aí…”
“Amor, fala, faxavori. É o quê então? Ficou muito tempo no congelador?”
“Até não é mais ou menos por aí. Mas já viste a carne da sopa? Claro, né?, você também nunca entende nada nestas coisas, oh meu Deus…”

(II)
“Chamou, senhora?”
“Claro que chamei, né?”
“Alguma coisa?”
“Assim uma pessoa só ia chamar à toa?! Quer dizer, tipo, gostei do andar desta moça e vou lhe chamar para desfilar entre cadeiras e mesas do restaurante, né? Mas vocês…”
“Sim?…”
“Achas que isso um dia foi carne para ir na sopa?!”
“Tem alguma coisa errada com a carne, minha senhora?”
“É lógico que tem, né?! Vocês desculpem-me lá, mas eu também sei fazer sopa, ouviram? Eu não aceito que ponham uma carne assim. Isso é carne para guisar, ou pelo menos já estufar, não para sopa! Ou não é assim, marido?”
“Sim, a minha esposa é talentosa na sopa… Vocês precisam de aprender a aceitar críticas.”
“É só que ainda não entendi bem o problema, senhores…”
“Ouve, moça, avisem a cozinheira. Sopa não vai carne de primeira! Assim fica muito caro…”
“Mas ainda não aumentamos o preço. Continua mesmo só nos seis centos kwanzas…”
“Ainda mais! Vocês acham que carne custa barato no talho ou quê?! Uma sopa é que vai levar carne de primeira?! Vocês andam mais é a gozar com os clientes…”
“A nossa sopa foi sempre de carne…”
“Mas aí está o erro! Já te falei, moça, não duvides!, eu sei fazer boa sopa…”
“É verdade, moça. A minha mulher, na sopa, ninguém aguenta…”
“Mas os clientes são complicados. Se pomos ossos, reclamam que só tem ossos. Se colocamos carne, reclamam que só tem carne…”
“Fala no vosso patrão que os clientes estão a reclamar. Carne de primeira para sopa, não!”
“Assim como é só uma pessoa a resmungar, o patrão não vai aceitar; tinha de ser mais…”
“Então não lhe fales que é só uma pessoa; fala que são bweé de reclamações…”
“Não posso aldrabar o meu patrão…”
“Você está a me chamar de aldrabona?! Não te admito, ya!… Aldrabões são vocês, mais é, ouviste?! Ou não sei que a carne de primeira, que vocês botam na sopa, recolhem dos restos das sobras que os clientes desconseguem no prato, já andaram a babar nela e tudo, hã?!”
Gociante Patissa | Benguela, 26 Junho 2017
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